Foi assim. Acredite!

               Criar uma estorinha para vender como uma história maravilhosa. Em sites de empresas e instituições, nos perfis de personalidades e “influenciadores, também na hora de responder a clássica pergunta: “qual a tua história?”. Pessoas físicas e jurídicas seguindo um mesmo formato, construção de uma linha do tempo com alguns pontos obrigatórios, como dificuldades em algum momento, superações em outro e claro, esconder os podres, o teto de vidro como se diz em metáfora.

               Sabe aquele golpe da procuração autorizando compra ou venda, alavancagem por herança recebida, a conta contábil impostos a recolher, aquelas coisas vendidas no sistema GQSFD*? Pois é, esta parte pula. Também não precisa contar sobre uma ação trabalhista volumosa, nem sobre a enganadinha na família ou um bom montante de dinheiro recebido em divórcio. Por que citar isso? Imagine então falar de contrabando ou do uso de entorpecentes, isso não pode aparecer. A estorinha tem que ser impecável, polida, tem que ter o brilho invejável e a emoção inspiradora.

               É maravilhosa a risada de quem conhece as verdadeiras histórias e lê as estorinhas contadas. E não é raro encontrar quem tenha esta experiência. No caso das empresas, tem aquele papel assinado que cedeu “poderes” a quem se apossou de tudo, mas, com testemunhas oculares. Tem o caso dos filhos que só queriam saber de torrar a grana dos pais, enquanto o funcionário entusiasta aceitou estudar muito, conhecer a fundo o negócio daquela indústria e transformá-la de irrelevante em uma multinacional, a troco de um cargo de diretor e depois presidente. Não tem isso escrito no site da empresa, nunca terá.

               E quando a pessoa vai contando sua história com uma sequência inventada e ao mesmo tempo tem alguém que presenciou tudo ouvindo, rindo por saber que foi bem diferente. Aquela frase “saí da casa dos meus pais com 18 anos e fui viver aminha vida sem depender deles”. Pois é, morando de graça nos fundos da casa do sogro, ninguém precisa saber deste detalhe. Até mesmo é possível perceber que a idade não permite tamanha plenitude e conhecimento. Neste caso nem precisa alguém que saiba da mentira, basta fazer a conta de quanto tempo leva para ler um livro e calcular quantos anos o jovem sábio precisaria para poder falar: eu estudei todos estes autores.

               Para que serve então o que está sendo dito ou escrito nas estorinhas vendidas como histórias reais? Ilusionismo, encantamento. Vender o produto desta fantasia. Usar a plasticidade do cérebro de quem lê ou escuta, com a clara intenção de tirar algum proveito da ingenuidade. Uma sutileza tão bem calculada que parece irrefutável, despertando paixões de difícil desconstrução.

               Enquanto não temos uma percepção mais apurada, nos resta disfarçar quando percebemos que acreditamos numa estorinha. Nossa antitolice vai se fortalecendo à medida que ampliamos o contato com o mundo real em troca de aceitar que a foi realidade alterada artificialmente. Conforme vamos aprendendo a desconfiar, ganhamos um poderoso escudo. Tem estorinhas dessas que são tão lindas que dá vontade de acreditar, mesmo sabendo que é mentirinha. Tem outras que escondem uma montanha tão grande de podridão que será difícil manter por muito tempo.

               Desejo viver o tempo em que contar a verdade vai vender mais do que a estorinha. Quero poder escolher os produtos para consumir pelo que eles realmente são, nas suas mais diversas formas e composições. Quero conhecer pessoas maravilhosas pela verdade que elas apresentam e pelo brilho encantador que a simplicidade do que viveram lhes dá. Histórias reais, verdadeiramente inspiradoras, contadas com palavras e versos registrados naturalmente pelo tempo. Humanamente. E torcendo que não demore muito para isso acontecer.

* GQSFD – sigla para governo que se f$#d@.

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