Sem contato com a sabedoria.

          Ter conhecimento de muitos detalhes sobre um assunto qualquer, deu a muitas pessoas títulos de superioridade, formais ou informais, como se bastasse para definir quem é inteligente, doutor ou doutora, mestre. É fato que há uma diferença entre o conhecimento básico e o aprofundado de qualquer tema ou assunto, sendo perceptível com facilidade, mas, é pouco e não demora para evidenciar as limitações no básico, no que deveria ser aprendido antes e no que está bem ao lado do assunto focado. O resultado vai de males menores a grandes problemas. Há exagerado número de pessoas, com aparência de habilitados para ensinar, sem passar em testes simples de sabedoria. Temos, e muito, pessoas com elevados títulos acadêmicos, incapazes de fechar uma porta ao passar por ela, de cumprimentar alguém que passou a centímetros ao seu lado, incapazes de praticar o autocontrole, facilmente enganadas ou até compradas, além de clara ausência de qualquer disciplina social, sem a noção de espaço compartilhado e tudo o que para uma pessoa sábia, é somente o básico, fundamental.

          A minha proposição não é contrariar a regra de que todos, incluindo os que já estudaram muito, devem aprender sempre, inclusive antes de se dispor a ensinar. Este é um dos problemas graves. Para percebê-lo, comece observando o padrão de operação industrial na chamada educação formal, é onde se tem a maior distância entre quem precisa de contato com a sabedoria de quem dela tenha em alto nível. A demanda por preenchimento de horários e locais, construída ao longo do tempo, resultou em ações urgentes, aplicadas como números, simplesmente resumido a decisão a quantas pessoas docentes precisamos para entreter o número de pessoas em idade de aprendizado, em qual local e horário devem estar e atuar. Em linguagem informal, a solução veio na prática do resolve rápido aí, dê um jeito nisso. Pessoas vistas como números, equivalem a objetos, logo, atribui-se aos números e objetos valores em dinheiro, e então se forma um grande mercado, com oportunidades infinitas, com perspectivas de longevidade e muito, mas muito retorno sobre o investimento, sendo indiscutivelmente muito lucrativo. O detalhe deste negócio, mesmo sendo chato de ouvir, ler ou até de falar, é a palavra pessoas, é a necessidade humana de ter contato com a sabedoria, para dela também se alimentar e após acumular em nível relevante, repassar, transmitir, formando um ciclo que nos permita a evolução como espécie e sociedade.

          Passou o tempo e como todo negócio bem estruturado por seus proprietários, a sequência só traz alegrias a quem nele investiu ou está participando do retorno financeiro. E lá se vai a sabedoria, que não combina com processos industrializados, não é compatível com a rentabilidade e controle de negócios e como consequência já conhecida, fica longe de ser alcançada. Em tempo, o formato escola de cadeiras enfileiradas e professores em modo industrial, será longevo, pela utilidade e eficiência em formatar peças, partes para encaixar em um sistema qualquer. O mais incrível neste negócio, ao meu entendimento, é vender algo que não entrega, é conseguir ocultar que sabedoria não é produto de um sistema comercializável, é uma soma complexa de conhecimento e percepções.

          A dinâmica deste business é visível, até mesmo a quem prefere a tolice de fingir que não percebeu. Peças muito bem elaboradas (doutores e doutoras, mestres), com encaixe quase perfeito (parecem robotizados), que fora da máquina, são incapazes até do básico, como saber por onde a galinha faz xixi, que não existe árvore de sagu, que a cem metros do condomínio tem uma castanheira ou amoreira, incapazes de preparar uma refeição adequada a nutrição do seu corpo, que existe respeito e tantas outras coisas simples e necessárias na composição da sabedoria. Com o diploma em mãos, atualmente não alcançável sem algum desembolso, pronto, temos professores e professoras, como se a trajetória estivesse completa. Do ponto de vista dos negociantes, ótimo, preenche a demanda quantitativa e projeta mais ganhos com uma sequência incentivada no mesmo sistema e dentro dele. Para a sociedade, que fica distante dos números generosos que o business proporciona, sobra perceber que neste formato, automaticamente transforma-se pessoas frágeis em transmissores de… fragilidade.

          Defensores deste sistema business da educação, com ares de incontestáveis, costumam lançar o argumento de que melhorou muito o acesso a um título ou diploma, a partir do aumento da oferta em locais mais próximos de onde está a demanda e com valores agora mais acessíveis, do tipo que cabe no bolso e que permitem democratizar o estudo. Segundo a argumentação, o resultado é maior quantidade de diplomados em menos tempo. Perceba que as palavras oferta, demanda, valores, bolso, quantidade, normalmente estão no contexto corporativo, servem para análises, controles e projeção de negócios. Convido a uma comparação entre dois produtos deste formato, o mestre em sistema tributário e o de doutor em política. O primeiro, exige (ou deveria exigir) pesquisa bibliográfica e estudo focado em uma forma de opressão. O segundo, exige (ou deveria exigir) pleno conhecimento do que na prática é uma fantasia. Ambos permitem a quem portar o diploma, a elevação do ego a níveis estratosféricos e ao sistema, fornece duas peças importantes, automaticamente habilitadas a falar, escrever e ensinar em múltiplos locais ou temas. A tolice está na simples avaliação de que uma pessoa dotada de sabedoria não deseja a continuidade do sistema tributário e não desperdiça tempo com algo que parece uma coisa é na prática é outra muito diferente, sequer passível de registros verdadeiros do seu histórico e funcionamento. Um pouco antes, já citado: “pessoas frágeis em transmissores de… fragilidade”.

          Por precisar de números e rentabilidade, o business gera um efeito de banalização. A métrica para acesso e manutenção de remunerações e cargos, faz com que a produção de textos, artigos e publicação feitas por doutores, mestres e especialistas, seja também um produto de formato industrializado, sendo inclusive alvo de comercialização. Estando muito distante de contribuir para formação da sabedoria, acaba gerando por consequência do alto volume, pessoas com aparência, gestual e ares de superiores, que entenderam quais as características necessárias e a dinâmica para dar valor em dinheiro ao que vai parecer transmissão do conhecimento. Como consequência natural, atualmente é de fácil atratividade e multiplicação rentável de cursos que reproduzem a estética (cenário, gestual, matérias, oratória) de relevante fonte de sabedoria. Não precisa muito para identificar que são equivalentes a uma pesquisa simples, resumida e que não agregam nada de relevante a quem pagou, exceto um diploma. A pessoa que vendeu, pode inclusive não ter o título formal e por usar da estética conhecida se autointitula. É um business, que confirma o dito popular onde “Todo dia sai de casa um malandro e um otário. Quando os dois se encontram, alguém faz negócio”. Um dos meios de comprovar a banalização, é dar alguns passos em nossas cidades e encontrar placas de lojas com Doutor do Sono, Doutor dos Pneus, Mestre do Celular, Doutor Fitness, PHD dos Doces e Salgados, entre outros criativos e reveladores do que significa atualmente estes títulos.

          Considerar e argumentar que a venda de conhecimento seja algo muito antigo, indicando relatos da prática em milênios passados, onde poderia ter ocorrido como uma troca ou exigência de privilégios como melhores roupas ou alimentos, também pode ser um erro. Como fruto da busca com viés de confirmação, desconsidera-se que estamos agora na época em que a relação de trocas não existe mais, dando lugar ao uso do que entendemos como moeda, que ainda é uma abstração não compreendida, apesar de utilizada o tempo todo.

          O mercado e a organização dele através de negócios, não é algo de tempo distante em termos históricos, mesmo assim, não tem o peso e relevância dos múltiplos canais de mídia, estes sim, muito recentes e com alcance maior do que poderiam atingir algumas dezenas de Sofistas, em algum lugar do mundo antigo. Esta lógica de mercado, quando aplicada ao compartilhamento da sabedoria, apresenta nítidos sinais de que não é boa coisa. Negócios são tratados a luz dos números, mesmo que na propaganda ou na fala em sua defesa, alguém tente dar um verniz de humanidade. Não tem e é uma operação, uma máquina onde as peças podem ser humanas, mas, são apenas peças, se quebrar, troca, se precisar e não consegue a ideal, molda ou adapta.

          Este texto parece uma defesa em retrocesso, conservadorismo, saudades, quando na realidade é antitolice. Sabedoria exige entre outras coisas o tempo, que muito além de relevante é simplesmente indispensável na formação de pessoas sábias. Assim como o contato com estas, também é relevante e indispensável. Por mais que não seja agradável aos ouvidos dos mais jovens, o comércio do conhecimento como é praticado hoje, nos afasta da possibilidade de formar e compartilhar sabedoria, dando títulos a robozinhos, peças de uma máquina, que ao contrário do que se imagina de um grande equipamento, este depende de peças frágeis para continuar funcionando. A comparação a seguir não deve ser analisada literalmente e serve para ilustrar de forma mais acessível o que se propõe como contato com a sabedoria. Hoje no que entendemos como dia a dia, quando existe, o vovô ou a vovó, são doutores em algo e mesmo assim, não sabem explicar aos netos, quando existem, por que as pessoas usam drogas, sendo provável que eles também estejam usando alguma. Mesmo estando diplomados, não trazem inspiração e quem deles se aproxima socialmente, percebe que faltou alguma coisa nessa formação, algo que o instinto humano permite identificar.

          Está mais difícil encontrar pessoas sábias, ao mesmo tempo que é exageradamente fácil se vender com a estética de quem aparenta ser. Tem até escola para isso. Como a nossa fragilidade permitiu, atingimos o que se considera ponto de não retorno. Essa máquina ficou grande demais e seu desligamento abrupto provocaria caos imprevisível. Seria muito bom repetir o que registra a história, sistemas frágeis e ruins sujeitos a ruptura, sendo superados. Sim, atualmente é utópico, inatingível, mas, seria ótimo se o business atual naturalmente e por si mesmo, resultasse em uma máquina emperrada, que ao não ter mais as peças de reposição no mercado, é substituída por outra, melhor e mais avançada. Está distante, abstrato e não priorizado o desligamento do sistema.

          Entender o que é uma pessoa sábia e aproximar-se dela, tornou-se também um desafio. Não deveria ter um estereótipo, muito menos continuar atribuído sabedoria a cabelos brancos ou em outras palavras, manter a imagem do subconsciente, aquela que provavelmente veio ao teu pensamento durante esta leitura, de uma pessoa idosa com movimentos lentos e poucas palavras, talvez com muitas rugas e alvo de piadas sobre chatice. Lembre-se que uma pessoa sábia jamais se apresenta com este título ou começa uma exposição dizendo: meu nome é (…) e sou um sábio (ou sábia). Sempre que ao longo da jornada na busca pelo conhecimento, alguém se aproximou de uma pessoa sábia, foi por indicação e com reconhecimento da sabedoria por outras pessoas, que antes estiveram com ela e assim a intitularam. Não existe sábio ou sábia com diploma de, ou autointituladas.

          Não procure os sinais de sabedoria longe de ti e quando encontrar, não ignore. Será grátis.