A passagem do tempo é um dos fatores da vida que provoca resultados imprevisíveis, da mesma forma que serve como limitador, pode servir como sinal de liberdade. Se vai dar tempo de fazer algo que já é testado e conhecido, é exemplo de limitação, assim como para algo nunca feito antes, libera variáveis, mesmo que haja um resultado desejado. Quando este fator (o tempo) é uma constante, podemos alterar a forma de usá-lo a partir do que temos em outras variáveis. Isso tudo para abrir o pensamento de quem tiver tempo para ler e analisar o que pode estar se tornando uma tolice, por ter funcionado bem durante um período e agora entra em colapso, precisando que vejamos variáveis óbvias, mas, ignoradas.
Quando saímos da visão restrita para usar de uma mais afastada, como quem manipula o zoom de equipamentos de imagem, podemos perceber na dinâmica do tempo de vida, uma mudança discreta que por ser também volumosa, começa a incomodar. Vamos partir de uma pergunta simples: a melhor idade para fazer ciência voltada a melhoria da vida humana, é a atual entre 16 e 24 anos?
Caso não tenhas contato com o ambiente onde se forma e que é desejado que seja aplicada a ciência, a pergunta feita pode não fazer o menor sentido ou até mesmo resultar em resposta desconexa. Mas, entre as pessoas cientistas já formadas e as que estão na faixa etária, a resposta será unânime: “sim, sem dúvidas”. Há argumentos muito fortes para essa resposta, um deles reconheço como inquestionável: nesta idade, o cérebro funciona mais rápido, absorve mais informações e tem mais fácil ativação do melhor desempenho cognitivo. Isso é comprovado e relevante. O ponto de análise é a mudança que estamos vendo na dinâmica social que forma a pirâmide etária. Outra entra em cena, a também inquestionável redução da quantidade de pessoas entre 16 e 24 anos, comparada com a quantidade de pessoas com mais de 50 anos. A famosa queda na taxa de natalidade, também famosa queda na quantidade de pessoas por família e o famoso aumento do número de pessoas que não tem filhos ou quando tem, são poucos, no máximo dois.
Essa mudança na pirâmide é no momento irreversível. Quem quiser testar há quantos anos começou a redução de filhos por casal e a redução na formação de casais, poderá também projetar quantos anos seriam necessários para reverter o resultado da condição. O fato que motiva a análise proposta, é o que se vê na oferta de entrantes ao sistema, colapsando os seus fatores de sustentação. A forma como o sistema funciona, depende de manter uma condição que está inexistente: o número de entrantes, equilibrado com o número de saídas. Na prática, entre outras observações, vivemos uma situação não prevista em que não temos pessoas em número suficiente para trabalhos que movimentam a estrutura criada de produção e consumo de bens e serviços. Os que deveriam ser entrantes neste sistema, para atender ao ciclo desejado, estão sendo priorizados para uma atividade que é excludente da outra.
Será de pouca dificuldade a percepção de que também na prática da vida atual, é impossível uma pessoa se dedicar a ciência, aos estudos, com a qualidade e produtividade que precisamos, ao mesmo tempo em que cumpre uma jornada de trabalho, com frequência diária e carga horária entre 40 e 48 horas semanais obrigatórias. Privilegiados podem escolher ou ter a escolha feita por seus familiares, quanto a dedicar-se ao estudo, a ciência ou ao trabalho, estando na faixa etária da pergunta inicial. Como resultado, os não privilegiados (indiscutível maioria), tentam forçar a igualdade de condições com o outro grupo, por perceber o antagonismo do trabalhar ou estudar. Também, por tendência em acreditar que na faixa etária citada, o melhor resultado futuro será alcançado, por quem possa somente estudar. Em cadeia e reação sistêmica, naturalmente o resultado depois de passado o tempo, não é dos melhores, considerando essa uma forma polida de se referir ao que é apresentado no dia a dia, a quem queira perceber sem recorrer a tolices.
O maior grupo de pessoas, quando considerada a passagem do tempo de vida em linha constante, chegará na idade em que o corpo naturalmente, mesmo com uso de fármacos, reduz a força, agilidade e resistência, sem que possa agora dedicar-se a praticar ou iniciar a ciência. O motivo é também de simples entendimento e percepção: o meio onde isso acontece, está formatado e hermeticamente funcionando, com foco nos entrantes entre 16 e 24 anos. Em alguns casos, quem exerce a barreira de entrada ao grupo fora da faixa etária prevista, usa um fator que já foi citado, através da resposta quase clichê: “uma pessoa acima desta faixa etária, não terá tempo de aplicar o que estudou ou desenvolveu”. Não é preconceito, nem mesmo pode ser considerado erro, é apenas uma forma sutil de sintetizar algo como: não encha o saco, o sistema está redondinho, testado, rodando e adequado para este formato, não tem como mudar e se tem não querermos fazer”.
Parece o fruto de sabedoria e na verdade é uma tolice. Sabe-se que o resultado de uma etapa, impacta no de outra. Imaginava-se que a sequência seria progressiva, haveria entradas e saídas em abundância e equilíbrio. Agora a sequência está tendendo a ser regressiva, observe uma das provas disso. Parte do que era desejado, não está alcançando o resultado adequado. No andamento do sistema, entrou em colapso a variável que manteria o mesmo alimentado por entrantes entre 16 e 24 anos, no fluxo de produção de bens e serviços. Na prática, o colapso da mão de obra fabril. Não há entrantes nas atividades que demandam força física, agilidade e resistência, por justificativas já conhecidas, como a citada redução da quantidade de filhos por casal e de casais, a falta de atratividade financeira para realizar trabalhos ditos como chatos.
A tendência de reações no sistema, observando a interrupção na saída do resultado desejado, atuando nas etapas anteriores (regressiva), é a mudança discreta, volumosa e incômoda. A resposta da pergunta inicial, demanda algo mais do que sim ou não. Testamos, aplicamos e mantemos, apenas a parte do sim. Fechamos o sistema, como se ele estivesse estável e progressivo, como se a linha do tempo mantida constante, não tivesse gerado inúmeras outras demandas de testes, aplicações e sequências. Por exemplo, usar o que se tem hoje, as variáveis que colapsaram o sistema como um todo, para criar outros sistemas ou até mesmo buscar o equilíbrio do atual. Testar a quebra de estudar ou trabalhar, principalmente eliminando a divisão entre privilegiados e excluídos, com ação direta no que pode limitar ou libertar, o tal tempo. Entendendo e atuando em outro paradoxo, aquele que formou engenheiros que mantém o aspirador de pó excessivamente barulhento, a torneira que só serve para uma pessoa que nunca a utilizou. O mesmo que gerou pessoas incapazes de fechar uma porta ou um portão, incapazes de lavar uma louça que utilizou, incapazes de compreender o porquê de a sociedade não precisar de bilionários ou perceber que gameficar uma empresa, nada mais é do que a infantilização aplicada ao trabalho, como forma de manter a adolescência pela eternidade.
Sem abrir acesso ao estudo e a ciência, ao grupo de pessoas da faixa etária mais numerosa, outros colapsos vão se somar ao da mão de obra, começando pelo da qualidade do que produzimos para o consumo básico (abrigo, alimento e saúde), passando pela inegável trapaça, onde de trapaça em trapaça, um dia acabamos todos trapaceados (parafraseando o que é atribuído a Ghandi). Para aplicar algo neste sentido, não podemos esquecer do fator que move todo o sistema criado: tem que ser financeiramente atrativo e viável. Se continuarmos submetendo a teste as condições que resultam em escolhas somente aos privilegiados, forçando os excluídos a dar um jeito de pelo menos tentar se aproximar deles, vamos continuar com advogados fora da advocacia ou nela trapaceando, com médicos sem vocação e trapaceiros (industrializando o atendimento), além de continuar aceitando a robotização da nossa capacidade de agência, em troca da conveniência, gerada também pela ciência praticada por quem a ela as portas se abriram, lá pelos seus 16 a 24 anos.
Podemos responder de muitas formas, tolas e inteligentes. A que escolho, é convidando os participantes da ciência a aplicá-la, testando o sim e o não, abrindo espaço para pesquisa sem viés. É possível que a constate passagem do tempo, atuando também na minha vida, seja uma limitação a possibilidade de ver a agência na busca pela resposta da pergunta feita. Liberdade para responder, o mesmo tempo parece que vai proporcionar a quem por imprevisível percepção, faça uso dele antes de previsíveis novos colapsos. Aos que imaginam estar alheios a isso, aos que sequer tem tempo de pensar no assunto, convido a observar quantas pessoas estão neste momento disponíveis para estudar e não o fazem por não ser viável financeiramente e por ter na maturidade uma enorme diferença de visão, comparada com a que tem os que estão na área científica hoje. A contribuição destas pessoas, tem potencial relevância e supera com folga dois pontos que estão a beira de formar novos colapsos: a infantilização da vida adulta e pessoas com títulos de doutores incapazes de produzir algo útil, sendo também incapazes de fazer coisas óbvias, simples e necessárias, como fechar uma porta ou controlar a ansiedade.