Quem vai fazer diferente?

           Isso eu também sei fazer e melhor. É um alerta da presença de uma entre as incontáveis tolices mais populares, daquelas que não importa o saldo bancário, a origem, a formação ou se a pessoa é honesta e bem-intencionada. Em todos os casos, o limitado acesso e alcance, tanto de entendimento quanto de participação direta no assunto, faz a pessoa criar na mente um cenário que parece possível, sendo apenas uma enorme fantasia. Ao surgir uma oportunidade de colocar em prática, testar o que diz, o resultado do que consegue realizar, é na essência igual ou inferior ao criticado, tendo no máximo uma aparência diferente. A verdade, sem margem para interpretações ao estilo realidade paralela, naturalmente confirma que a pessoa estava enganada e não sabe fazer melhor, nem diferente.

           Caso a introdução acima pareça complicada ou de difícil entendimento, por ser necessário leitura pausada, com calma, apresento uma alternativa mais suave, que é a reflexão sobre como responder a uma pergunta muito simples: quem vai fazer diferente?

           O tempo em sua passagem de alta velocidade para alguns e sensação de lentidão para outros, contrastando com a ausência dele, resultante do que sem perceber estamos construindo juntos, traz discretamente repetições da história. Por ser natural, o tempo vai passar sem que esteja condicionado aos teus planos ou as nossas vontades e não há nele palavras vocalizadas, com isso, perceber o que fica registrado após a passagem, é virtude individual, mesmo que seja estimulada coletivamente. Isso representa uma das bases do que nos leva a repetir o passado, achando que o feito agora é diferente. Apresentar-se como alternativa a quem está fazendo agora, acreditando que pode e sabe fazer diferente, não é caso de má fé, sendo sim ignorância, no sentido de limitada percepção do que a passagem do tempo registrou e desconhecimento sobre o que verdadeiramente é a causa do desconforto.

           Enquanto buscamos abrigo, alimentos e bem-estar, o tempo vai registrando nossas ações, nossos movimentos. Isso em nada é diferente da forma com que a passagem dele, deixou registrado sobre o que fez quem esteve antes de nós, buscando exatamente a mesma coisa. O que foi percebido, o pouco (na inegável maioria dos casos) que deu tempo de conhecer e entender, não é suficiente para fazer algo diferente de verdade, rompendo com o que não está agradável, que não parece justo e por assim dizer, saudável. O resultado é ainda não ter a resposta a principal pergunta deste texto e continuar alimentando a fantasia de que podemos e sabemos como fazer diferente.

           Trazendo ao cotidiano, a quem está com tendência de considerar este assunto chato, coisa de quem tem tempo sobrando ou nada a fazer, observe o aluno que acredita saber um jeito de explicar melhor que o professor ou professora, quanto desta sensação influencia a outros alunos. Em outro ambiente, o trabalho, quantas vezes uma pessoa questiona a liderança, afirmando que sabe e pode fazer melhor, a ponto de iniciar movimentos que resultarão na substituição indevida ou desnecessária daquela liderança. Em casos mais arriscados, questiona-se o médico, o policial, a autoridade política. É possível observar a mesma lógica, no que chamamos hoje de jornalismo, aos escritores e artistas. Para melhor identificação do que está em jogo ou em risco, observe o que acontece quando a oportunidade é dada a quem reclama. Com raras e pontuais exceções, o aluno não apresenta melhor desempenho na explicação, podendo inclusive repetir sem perceber os vícios de linguagem e expressão corporal de um professor ou professora. A pessoa no trabalho quando enfim é convidada a mostrar o que sabe, simplesmente repete o anterior, fazendo exatamente igual. O jornalista saindo de uma grande corporação, ao montar seu próprio trabalho, usa formatos, palavras, sequências e padrões, exatamente iguais ao que antes criticava. E assim, não faz diferente, é repetição e nada além disso.

           O que está apresentando, não declaradamente, é a conhecida popularmente implicância. É o conflito com a aparência, o jeito de falar, os gestos ou a personalidade. Todo o barulho, tumulto e campanha alegando ser e saber fazer melhor, não passa de ignorância no sentido já exposto e de infantil implicância. Do ambiente micro ao macro, quando apenas trocamos o nome, lugar, “roupa” ou layout, em nada evoluímos e continuamos sem a resposta para a pergunta: quem vai fazer diferente?

           No registro sobre nós, após a passagem do tempo, estará a tolice como inegável característica principal. Assim, como resultado de aceitarmos a indução ao erro, produzida por quem não é capaz de apresentar algo novo e melhor, travamos batalhas para andar em círculo, repetir tudo com a falsa mudança, onde somente o nome, a cor, a personalidade é diferente, mas, na verdade ficamos presos ao igual. E o tempo pode parecer cruel, quando está apenas naturalmente passando. Em questões da convivência familiar, no trabalho ou círculo de amizades, é possível recuperar a melhor ordem e rapidamente reverter qualquer eventual perda. Não será possível quando o assunto são as instituições e o coletivo maior, o que nos coloca em sociedade compartilhando o resultado de não receber nada melhor, nem diferente.

           Ao primeiro sinal de insatisfação, incômodo, desconforto com o que está sendo feito, lembre-se de verificar se realmente é possível fazer diferente, antes de apontar uma pessoa ou grupo de pessoas, como culpados pelo que parece ruim, injusto ou qualquer inconformidade com a tua vontade, teu ego. Pode ser realmente o caso de estar na tua pessoa uma condição ideal colocar em prática o que vai trazer o diferente e melhor. Porém, ao contrário de uma aventura, onde podemos subir uma montanha sem saber nada ou só um pouquinho sobre a metade ou o topo dela, nas relações sociais, o alcance do conhecimento que acessamos sobre qualquer assunto, define o quanto nossa ação é útil e não desastrosa. Condenar alguém ou um grupo, com influência direta da ignorância mesmo que sem maldade, tem o mesmo peso da ação resultante da tirania.

           E se em nada este texto atingiu a tua forma de ver e viver a vida, por alimento a paz que deve nos mover junto ao tempo que passa, contribua à tua maneira, para que a resposta a esta pergunta tenha uma evolução positiva: quem vai fazer diferente?