Um produto que passou a ser oferecido e comercializado em larga escala, rompe os laços com a sua origem, com as próprias raízes e ironicamente, deixa apenas como história, a forma como antes de se tornar comercializável, ele chegou até muitas pessoas. Este produto tem mercado vasto e atrativo, tem altíssima lucratividade por ter baixo custo operacional e pouca complexidade na demanda de infraestrutura. Antes de ser convertido em produto, o conhecimento resistiu milênios a mercância, alcançou incontáveis locais e pessoas em todo o mundo, o fomentou a existência humana. Sem ele, não seria possível sequer escrever ou ler este texto. Hoje não há pudores no mercado criado para o produto conhecimento. É vendido, comercializado, tem estratégia de marketing e até mesmo “charlatanismo”. Como auge da sem-vergonhice, até mesmo quem não o tem, vende.
A motivação para escrever sobre este assunto, não foi a revolta com a comercialização do conhecimento ou da educação, mas, um fato que em si, reuniu muito do que é possível observar no cotidiano e está relacionado a causas e consequências do mercado desenvolvido para este produto. Conhecemos vantagens e desvantagens, apoio e críticas ao resultado da compra e venda do conhecimento ou da suposta sabedoria. Por múltiplos fatores, não avaliamos este resultado com a atenção que ele merece e na maioria dos casos, sequer estamos atentos o suficiente para perceber as consequências. Aqui registro uma opinião, acredito que quem teria condições de promover o debate e avaliação do que significa esta comercialização, está neste momento falando algo como: “no curso que eu tenho disponível na minha plataforma, eu mostro como fazer isso ou aquilo”.
De forma resumida, o caso foi: estou chegando em um comércio de frutas e verduras, no caminho da minha casa, onde faço compras frequentes há anos, ao menos dez dos últimos eu lembro de ser cliente deste local. De longe já percebo movimentação diferente, balões coloridos nas portas de entrada e música alta. É normal esse formato quando um comércio está em campanha de vendas ou comemorando aniversário. Sei que não é nem um nem outro. Entro para fazer minhas compras e a visão não é tão agradável quanto em dias normais. Havia barris de chopp logo na entrada, isso naquele horário próximo às 19 horas, gerou aqueles bêbados, que imagino quem está lendo, saiba do que se trata. A música estava muito alta, os bêbados falando alto também. Ao chegar no checkout, perguntei a funcionária do comércio o que estavam comemorando. A resposta dela, gerou este texto: “nada, não é comemoração, o patrão e a patroa estão fazendo uns cursos de empreendedorismo, aí aplicam as ideias de lá aqui. isso hoje é para fazer barulho, chamar a atenção do povo. É o dia do cliente VIP, mas, não é culpa minha a bagunça viu, é coisa deles”.
O “patrão e a patroa”, na verdade é o casal que comprou e mudou para muito melhor aquele ponto comercial, há aproximadamente oito anos. Este casal, fez o mesmo em outro ponto, além de ampliar em muito o atendimento a restaurantes e cozinhas da região. No caso, estão eles agora, mesmo com este perfil apresentado, fazendo um curso de empreendedorismo. De imediato a minha pergunta foi: o que leva um casal empreendedor bem-sucedido a comprar um curso de empreendedorismo? Desta pergunta fiz outras derivadas e a cada resposta, surge ainda mais perguntas. As conclusões eu ainda não tenho, mas, percebo a tendência de conter elementos como apelos emocionais, estratégias de vendas avançadas e refinadas por parte de quem os atraiu ao tal curso, falhas de formação na trajetória do casal antes de ter um comércio, desejo deles de pertencimento a algum grupo que a crença em fazer o curso poderia proporcionar e principalmente, um grau elevado de tolice. Por que eles não perceberam na própria história o empreendedorismo? E ao aplicar uma bobagem vista no curso (música alta, chopp, balões), qual a relação disso com o público fiel que eles já conquistaram sem isso? Em todo período que fiz compras naquele local, foi a primeira vez que vi bêbados na porta e circulando entre as frutas e verduras com um copo de chopp na mão. O curso proporcionou neste caso, retrocesso ou avanços?
Encerrando o relato do fato, faço uma observação despretensiosa. O valor pago pelo casal no curso, os gastos com o chopp, música, balões, a soma de dinheiro aplicado nesta tolice, sem qualquer dúvida, colocaria melhor iluminação na loja, talvez reparos necessários no piso, possivelmente uma qualificação significativa dos expositores, novos produtos, melhoria no bicicletário ou na segurança deles e dos clientes, uma mudança positiva no precário espaço de estacionamento de carros, entre outras demandas que o local tem. E, em uma breve pesquisa entre os clientes que frequentam aquele comércio, acredito que por unanimidade, os itens com origem no curso, seriam trocados pelos itens que citei.
Será este produto, uma evolução sofisticada do formato “caça niqueis”? É necessário citar que sou favorável a utopia em que a remuneração a quem sabe e se dispõe a ensinar, seja a linha de nivelamento de todas as outras. Em outras palavras, se houver uma remuneração que forma milionários, esta deve ser aplicada também a todos que se dispõe a profissionalmente transmitir conhecimento.
A quem caiu na sedutora estratégia e pagou por um curso, seja valores modestos ou significativos, faço uma sugestão em duas etapas. Na primeira, avalie pontos como expectativa versus realidade, o que foi prometido na venda e o que foi entregue após a compra. Usando a sinceridade para com a própria consciência, faça uma diferenciação entre os aspectos emocionais e os racionais apresentados como argumento do curso e avalie o quanto do que foi conteúdo dele, não está acessível de graça a quem não caiu no marketing da coisa. Na segunda, considere refletir se a vergonha de admitir que gastou dinheiro à toa, é maior do que o ganho real em ajudar a evitar que outras pessoas sejam enganadas da mesma forma. Não pense no alcance a milhares e faça isso aos que estão no teu convívio, pessoas próximas a ti. Lembre-se que para saber que o limão é azedo, saber que água é o melhor para saciar a sede, saber que a nossa vida começa invariavelmente na união de um esperma com um óvulo, saber que devemos estar atentos para não ser vítimas de malandragem, todos estes conhecimentos, foram aprendidos e repassados a nós, antes de alguém oferecer a mercância deles.
Não é exagero admitir de forma consciente que o mercado criado é irreversível, permanecerá por longo tempo e que não será surpreendente caso ele encontre ainda mais participantes da oferta e procura. Há que ser reconhecido também a importância de quem neste mercado tenha verdadeiro conhecimento a oferecer. Estes, atualmente raríssimos, merecem cada centavo que recebem na venda do produto oferecido. Quem por acaso leu este texto e reconheceu que o argumento venda induziu ao erro, não tenha vergonha. Ao ouvir, por exemplo, que o curso seria um investimento e não um gasto, é possível que não haja resistência ao engano, pode ocorrer falha de percepção e tomada de decisão com base emotiva. Acontece.
Tolice é pagar por um curso de algo que já se tem o domínio, que já é a tua profissão ou que seja a tua prática diária, teu negócio, resultado de aplicar de forma bem-sucedida o conhecimento que já tens. Investir na busca de mais conhecimento para melhorar, evoluir no que já foi aprendido e é praticado, é sinal de sabedoria. Tolice é não valorizar este conhecimento e acreditar que quem está em nível de aprender contigo, possa vender a possibilidade de te ensinar ou apresentar em um curso algo que te faça evoluir. Como um casal empreendedor bem-sucedido, comerciante com clientela fiel e em expansão perceptível, pagando por um curso de empreendedorismo. Evolução neste caso, pode ser buscar em uma universidade a graduação que ainda não tenha ou a pós-graduação ou então, o conhecimento em outras áreas, que certamente vão agregar muito valor ao casal e por consequência, ao seu empreendimento. Isso não é palpite, é um convite a antitolice.