Endereço Errado

           Reclamar é tão comum que virou piada. “Brasileiro adora reclamar de tudo” e em muitas situações, está com a razão, mesmo que não tenha qualquer efeito prático. Em música, esse hábito de reclamar, de indignar-se, foi cantado com uma frase muito interessante: “a nossa indignação, é uma mosca sem asas, que não ultrapassa as janelas de nossas casas”. E ela não será mais que uma tolice, quando o alvo ou endereço da reclamação estiver errado.

           Um produto com defeito, briga de trânsito, política, reclamar é necessário. Resolver a questão reclamada, também é, para deixar de ser tolice e mostrar força, seriedade, relevância.  Neste contexto, a antitolice é usar de outra frase famosa: a Cesar, o que é de Cesar. Respeitando as crenças e o contexto desta frase, principalmente a quem é atribuída a autoria, as nossas reclamações deixam de ser serão moscas sem asas, quando entregues no lugar certo e para a pessoa certa. Dentro de casa, em frete a TV, não adianta xingar um político qualquer. Pouco efeito terá, se reclamamos de algo do trabalho para familiares. Em qualquer festa, de nada adianta protestar contra uma mudança no trânsito, uma obra irritante em frente a tua casa ou do defeito em um produto recém comprado. Reunir um grupo numeroso de pessoas, caminhando pelas ruas de uma cidade, gritando palavras de ordem e terminar cantando o hino nacional no saguão de um aeroporto, resulta em absolutamente nada. O alvo do protesto era empresas de aviação? Teria alguma relação com aviões? O órgão que controla a operação do aeroporto, resolveria o que estava sendo reclamado? Nenhuma relação com o local, somente endereço errado. Virou piada. Tolice.

           Reclamar do preço dos alimentos aos funcionários do supermercado, tem o mesmo efeito que xingar o presidente, por não concordar com a sentença de um juiz. Os preços do supermercado não são decididos pelos atendentes e o juiz é de uma instituição diferente e independente da que está sob responsabilidade do presidente. No caso da política, o erro no alvo das reclamações, motivou a uma tentativa de explicar a população, quais as responsabilidades e o que faz cada cargo eletivo, bem como suas instituições. Por enquanto, o resultado das explicações não atingiu o efeito desejado. Desnecessária uma pesquisa formal para comprovar este fato, basta observar o cotidiano. Como no caso do supermercado, quem souber uma forma de explicar aos consumidores reclamões que estão encaminhando ao endereço errado, merece premiação relevante.

           Mais grave, podendo ser irreparável, é culpar uma pessoa ou instituição por algo que não lhes cabe e a partir de desinformação, ignorância coletiva induzida ou ação de tolice individual, provocar linchamento físico ou moral. É fácil errar acreditando que está certo, por seguir velhos hábitos, como o de reclamar de tudo, sem dar a Cesar o que é dele. A história, mesmo com riqueza de detalhes e estando acessível facilmente, não tem força suficiente para evitar os erros graves. O aprendizado com as experiências do passado, em nada consegue influenciar, quando o erro de endereço ou alvo, surge em uma pequena bobagem, semelhante a briga de trânsito.

           Somente uma parte do que conhecemos como sociedade, tem interesse e quer que continuemos com endereço errado das reclamações: a parte responsável por resolver. Somente o Cesar da questão, sai ganhando enquanto não é dado a ele o que é dele. Perceba casos simples, como reclamar de um produto com defeito que está no prazo de garantia, agimos pensando primeiro em quem nos vendeu e não em quem fez o produto. Aumente para uma buzinada por stress em um congestionamento. Depois perceba se estás reclamando do resultado de um julgamento, endereçando o xingamento ao juiz ou a quem fez a lei. No primeiro exemplo, o fabricante é o responsável e está bem tranquilo. No segundo, o carro a frente, mesmo que tenha deixado a fila distanciar um pouco, não é responsável por resolver o congestionamento, quem fica tranquilo é o gestor do trânsito que não está ouvindo a buzinada. No último exemplo, os deputados e senadores rindo à toa, provavelmente incentivando o xingamento ao juiz, debochando da situação e livres de qualquer cobrança sobre suas responsabilidades.

           Quem ganha com este erro de endereço, quer perpetuar a cultura da reclamação banal, quer mais moscas sem asas. A opção de acertar o alvo, de mandar para o endereço certo, é a melhor e depende entre outras coisas, de treino, prática. Antes ou depois de reclamar de algo, faça uma simples verificação: se o endereço está correto.

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Nota importante: a frase citada no primeiro parágrafo deste texto, é parte da letra da música In (Dig) Nação, da banda Skank.