Uma das tantas formas de manter o povão dominado é espalhar o medo. Entenda o leitor deste texto, que isso está longe de ser opinião e não é novidade, sendo de fácil reconhecimento em vasta literatura, desde registros da história até recentes pesquisas sobre o comportamento humano e a sociedade. Convido a pensar sobre o uso ininterrupto do medo do que poderá acontecer, com a aplicação consciente do método em que ao esfriar um tema, outro deve entrar imediatamente, para que entre outras consequências, não haja tempo de comparações entre quanto aconteceu do que foi previsto ou dado como certo que aconteceria e o que não passou de tolices.
Com base nas previsões dos deuses e deusas das explicações, a regra é ter um recorte com frases de efeito e fazer com que medo gerado por elas, seja espalhado rapidamente entre quem torce a favor e quem torce contra. A crença em que uma previsão é uma certeza, potencializa o medo e para muito além do conflito de torcidas, faz com que ações do momento presente sejam fortemente direcionadas a serviço de fazer acontecer o que foi previsto. Nada de novidade, causa e efeitos já estudados, em diferentes períodos, objetivos e formatos.
O que aparenta ser relativamente novo em nosso tempo, é o alcance e a ancoragem destas previsões, atuando como gasolina para o fogo dos conflitos. Começa a ficar mais frequente, a normalização da opinião ignorante e das atitudes alimentadas pelas crenças geradas a partir de um nível muito raso de percepção. Este não permite diferenciar a probabilidade da certeza. Também aparenta ser novidade, a incidência destas mazelas em diferentes classes sociais. Sim, seguimos vivendo com classificações diferentes para algo igual, o ser humano. Na mesma torcida, observamos diferentes classes, mais alta ou mais baixa, repetindo o mesmo comportamento. Ricos, médios e pobres, com a mesma ignorância.
Quem tiver tempo e disposição, poderá encontrar em um conjunto de livros do autor Nassim Nicholas Taleb, riqueza em história, filosofia, argumentos, dados e análises sobre o tema previsões. As reflexões provocadas e escritas por ele, abrem caminhos para perceber que somos induzidos a viver pressionados pelo medo do que vai acontecer, dando valor exagerado ao que foi previsto por quem raramente acerta.
É tolice ver certezas nas projeções de futuro. Os deuses e deusas das explicações, afirmam que algo vai acontecer, construindo raciocínio em que a soma dos fatores ou evidências, resultará em algo pré-determinado. O conhecimento superior que alimenta a divindade deles, sustenta as previsões, como em uma ciência exata. Nenhuma pessoa com este perfil e atividade, fala ou escreve usando a palavra probabilidade. Seria uma atitude honesta, mas, tornaria as opiniões e previsões deles pouco ouvidas, desmanchando a divindade. Outro problema no uso da palavra probabilidade em previsões, é a interpretação do que é e significa. Isso não foi ensinado ao povão. Ricos, médios e pobres, não estão preparados para entender o que significa falar que uma previsão qualquer tem a probabilidade de 53% de acontecer.
Novamente o fator tempo disponível entra em cena. Não é possível atualmente, quebrar a tolice de alguém que repete quase literalmente o que ouviu dos deuses ou deusas da explicação. Mostrar que o medo espalhado com uma previsão, não é justificável, é uma tarefa desafiadora. Ao grupo de afundados na tolice, a verdade sempre será considerada chata, por quebrar o medo que a esta altura domina a mente. Para este cenário, falta tempo a quem deseja ajudar a libertar estas pessoas enganadas e assim segue sob controle a estratégia do medo para dominação.
O escudo, vacina ou filtro para não ser mais uma pessoa vítima do medo do que poderá acontecer, ainda é frágil e sofre forte rejeição. É o conhecimento, única forma conhecida até o momento, capaz de fazer frente e anular a estratégia do medo. Duvidar do que estão falando os deuses e deusas da explicação. Haverá um desafio, ao contrário de quem cria o medo do que poderá acontecer, quem busca o conhecimento, não tem um método de fácil acesso e quem compartilha, não tem o mesmo alcance das mentiras e enganações. Desafiador também, é ter tempo para ler, estudar, refletir, testar e aprender. São verbos em conflito com o que é exigido da vida moderna, vivemos em tempos de muitas opções de entretenimento disponíveis, muitos compromissos, pouco tempo em verdadeira liberdade.
Um detalhe exige atenção e entendimento: não confundir medo com cautela. Um é fruto do desconhecimento, outro é uso do conhecimento. Como em praticamente tudo, o equilíbrio é a fonte para a melhor dosagem, sabedores que somos de que remédio e veneno, estão diretamente condicionados a este fator.
Será um passo relevante, o uso da cautela ao ouvir algo amedrontador falado por um dos deuses e deusas da explicação. Lembrar que existe o chamado imprevisto, aquele que aparece para desfazer as conexões tão perfeitas nas falas e teorias que provocam medo. A busca por reconhecer quando estamos transformando previsões em certezas, tornou-se indispensável. Com o passar do tempo, o aprendizado se transforma em hábito e assim será contínuo, deixando de ser chatice para se tornar antitolice, também indispensável para diferenciar sábios de falastrões. Perceber que há alguém compartilhando conhecimento e te ensinando a pensar e afastar-se de quem está tentando te seduzir com ares de certezas em oratória muito bem treinada.
Sejamos otimistas ao desejar que mais e mais pessoas entendam que provocar o medo é método conhecido há muito tempo. Agora com a facilidade e rapidez com que uma mensagem se espalha, o método foi atualizado para ter mais intensidade, para ao perceber superado ou enfraquecido um medo (assunto), quem o usa lançará outro e assim repetidamente, manterá o domínio. Talvez tenha passado da hora de mostrarmos que somos capazes de entender que a dúvida alimenta a sabedoria e que isso anula o medo do que vai acontecer.