Riqueza Abstrata

Criar abstrações é uma das habilidades dos humanos. Algumas tolas e inofensivas, outras, importantes e destrutivas.
ALERTA: texto loooooooongo, impróprio para leitura vertical e apressada.

             Abstrações estão em nossas vidas do início ao fim, nosso cérebro é preparado para aceitar, entender e usufruir delas. O melhor exemplo prático disso, é o tempo, a forma como nos adaptamos e utilizamos esta abstração é único entre os seres vivos. Até o momento, não se vê elefantes comemorando aniversários, nem formigas atrasadas correndo para pegar o transporte público que está saindo no horário e muito menos possível, um felino usando relógio.

             Aos fieis de alguma religião, as abstrações criadas para atribuir divindade, são apresentadas e fomentadas no que é ensinado, por exemplo no que é exigido que seja acreditado como sendo algo dito ou feito por um ser abstrato, igualmente se torna abstrato quando é relativo a um ser humano comum, de carne e osso, como se diz popularmente. É fácil no convívio com religiosos, ouvir uma pessoa repetindo continuamente algo como: “Deus falou…” ou “o profeta disse…”.  A abstração tempo e as abstrações religiosas, estão no grupo das que geram mais benefícios do que problemas. Ao escrever sobre abstrações que são destrutivas, os exemplos serão mais complexos e de significados diferentes, a depender do ponto de vista.

             Poder é uma abstração que fascina, atrai e em períodos diferentes da história, definiu o fluxo da vida de incontáveis grupos de pessoas. É uma das abstrações complexas, formado por resultado do uso de outras abstrações e raramente de forma positiva, honesta ou inofensiva. Como exemplo, os diferentes períodos da história que conhecemos, em que a liberdade ou condição de servidão de uma pessoa, foi definida pelo poder construído com base em abstrações como o valor dado aos bens, ao dinheiro, aos títulos que formam a hierarquia. Em formato de acordo, há um tipo de imposição para que a maioria ou todas as pessoas, aceitem em suas mentes as abstrações criadas para resultar no poder que vem delas. Estes acordos, também evoluíram ao passar do tempo, alcançando agora maior número de pessoas, sem a resistência de antes e com características no mínimo curiosas. O tempo para instalar uma dominação a partir de algo abstrato é bem menor do que foi o tempo para convencer um povo antigo a empunhar armas e lutar com todas as forças para honrar as propriedades de um príncipe, rei ou imperador, motivados pela abstração de formar uma nação, um coletivo, porém, somente na hora de lutar e sem direito de usufruir destes bens na hora boa. Inclusive tendo que pagar alguma coisa para poder falar que pertence a abstração. Em outra perspectiva, não passará de uma enganadinha para formar escravizados.  A entrada ou saída em uma das novas formas escravidão (obviamente que não percebida como tal), está menos previsível, mais rápida e mais intensa.

             A conexão da linha de pensamento acima com o tema deste texto, está justamente no uso de abstrações para fomentar o poder de uma pessoa ou grupo, sendo este uma arma carregada com estratégia, sutilezas e com ação destrutiva lenta, mas, muito efetiva. Ao alcançar o domínio das ferramentas de criação e aplicação, está exposta a facilidade com que os chamados donos do poder, conseguem impor e manter abstrações para inclusive sustentar o próprio sistema. Parece confuso, não é. Basta lembrar que o poder no contexto social atualmente, quando alcançado por uma pessoa ou grupo ligado a ela, está baseado na medida e comparação de riquezas. Do falso, o chamado poder pequeno, ao verdadeiro o poder de quem realmente tem influência em decisões de impacto coletivo.

             O efeito do poder acreditado e aceito, quando a abstração valor, riqueza, sobrepõe outras fontes de sustentação, está agora visível, mais fácil de ser notado e por obviedade, destrutivo. As outras fontes que poderiam gerar poder, são igualmente mensuráveis, como a sabedoria, a prova de conhecimento, a experiência real e comprovada. Quando percebemos que somos todos iguais, o ato de aceitação do poder de outros sobre nós, é revelador da falta de inteligência. Aqui entra o fator que enfraquece um e empodera outro. A falta de inteligência em perceber que a pessoa poderosa está atribuindo riqueza a algo intangível, fazendo o mal uso de abstrações.

             Ainda não encontrei em outros textos, uma fonte confiável que demonstre a partir de quando na linha do tempo da humanidade, o poder baseado em riqueza, permitiu que parte relevante da soma estivesse em uma abstração: o valor dado aos bens intangíveis. É algo relevante por inflar o suposto preço de qualquer coisa, com parte ou totalidade intangível. Por consequências, a soma da riqueza fica ainda mais abstrata, o poder não é verdadeiro, mas, é aceito e na prática, torna-se real. Uma forma de destruição da inteligência humana, com a aceitação de tamanha tolice.

             É um truque, uma jogada safadinha. Quem entendeu os pontos anteriores do texto, observe agora a maior riqueza pessoal conhecida no mundo em 2024, e como ela tem na sua composição a maior parte em algo intangível. Uma breve pesquisa pode confirmar que não é fenômeno recente ou inventado pela acelerada genialidade das gerações contemporâneas. Basta lembrar que há pouquíssimo tempo, a empresa mais valiosa do mundo (ao ponto de vista ocidental), era assim considerada por deter os direitos de uma marca de refrigerantes que certamente já veio em tua memória, automaticamente. O poder desta empresa, estava muito acima do valor arrecadado com o consumo incentivado aos mentalmente escravizados do produto oferecido. Havia relevante valor contabilizado, a partir da aceitação da resposta à pergunta: quanto vale a marca?

             Não estava a venda, se estivesse não haveria quem pudesse pagar, mesmo assim, era falado um valor hipotético que alimentava o poder dos donos da marca, dos investidores em papeis vinculados a ela, de quem calculava estes valores e de quem intermediava os negócios reais gerados a partir do intangível, muito acima do palpável. Algo abstrato, atribuindo valor a uma abstração, movimentando abstrações, gerando poder real, porém, de base abstrata.

             Também não encontrei, pelo menos até o momento em que escrevo, alguma referência ao que farei em forma de suposição. Empresas, seus proprietários e demais agentes de negócios atuantes no mercado (outra abstração), perceberam que ao fazer equivalência entre os seus bens tangíveis com os da empresa dona da famosa marca de refrigerantes, esta não seria a maior do mundo, logo, a soma encontrada em valores verdadeiros, não fomentaria o poder criado em função do valor inventado com baseado no intangível. De forma objetiva, contabilizando o patrimônio tangível e fazendo o ranking, quem antes estava abaixo, poderia até assumir o topo. Estou supondo, que ao perceber a oportunidade de voltar ao poder, ao invés de exigir o critério por riqueza tangível, optou-se por aceitar que todos somassem ao patrimônio ranqueado, o valor (abstrato) do intangível. Entre outros resultados, a famosa marca de refrigerantes, deixou de ser a empresa mais valiosa do mundo, sendo ainda muito respeitada, mas, com menos influência no ambiente chorumento dos donos do poder.

             O critério soma de riqueza, conta com incalculáveis safadezas como esta dos bens intangíveis, fruto da manipulação e fraude contábil. Quero acreditar que o formato original de balanço entre débitos e créditos, compondo a soma patrimonial, este que tem um padre (frei) como reconhecido criador, não tenha em sua origem a intenção de considerar no patrimônio de alguma instituição ou pessoa, valores abstratos. Mas, o mesmo formato foi e está sendo utilizado para dar poder a quem não soma bens tangíveis em proporção que o justifique.

             Sendo eu repetitivo, tenho que lembrar a quem estiver lendo este texto, que o poder fascina, é muito atrativo e define o fluxo de vida de também incontáveis pessoas. Liberdade, obediência forçada, opções limitadas, dominação, tudo acaba sob o comando de quem está no poder. Este, sabe-se por análise do comportamento humano, tem com uma das bases de sustentação, o medo que causa em quem está abaixo dele. Súditos eram submetidos ao domínio de um rei, enquanto a sensação de medo os obrigava a acatar o poder dele. O reinado durava até que alguém quebrasse a abstração na base do poder atribuído ao rei.

             Não temos mais reis e súditos no sentido literal, mas, ainda temos a submissão aos chamados de poderosos. E, para ascender ao poder atualmente, é indispensável mostrar a soma de riquezas. Ser a pessoa mais rica do mundo (pelos critérios ocidentais) significa ter muito poder. Aqui posso finalizar o raciocínio que coloca as abstrações, poder e fortuna, em uma perigosa relação. Inegável que a soma de riquezas automaticamente gera poder. Questionável é atribuir valor contábil a uma abstração, somando este a um total de patrimônio, que resulta na aceitação de que esta riqueza é base para o poder a quem ela pertence. Atenção a um detalhe importante: é uma tolice buscar o valor para bens intangíveis nos balanços patrimoniais e contestar o raciocínio proposto neste texto. Por exemplo, em uma companhia aérea, a conta contábil bens intangíveis não terá maior soma do que a conta contábil bens imobilizados. Ao detalhar a soma de bens imobilizados, será visualizado o valor de aeronaves. São bens tangíveis, claro. E o valor delas, também é?

             Aos fãs, súditos ou que nutrem fetiches com o poder de super ricos, desejo o despertar mais breve possível para a tangibilidade do que compõe estas riquezas. Estão Infladas. A soma do patrimônio deles está carregada de abstrações como um avião vale tantos dinheiros, por ter tecnologia Boing ou uma casa, vale tantos dinheiros por ser do dono da Tesla.

             Lembro de um experimento relatado por um professor, neurocientista tantas vezes já citado no que escrevi anteriormente. Em uma de suas aulas, ele colocou uma nota de vinte dólares sobre a mesa e perguntou aos alunos: quanto vale esta nota? Resposta unânime foi vinte dólares. Ensinamento dele: é uma abstração. Aceitamos que vale vinte dólares algo que na verdade é tem o valor mensurável de um pedaço de papel e tinta. O papel e a tinta são tangíveis, o valor que aceitamos passivamente, é uma abstração. Concluindo, o poder atual da pessoa mais rica do mundo, tem como base riqueza não palpável. Antes de usufruir do poder que esta tolice gerou, a pessoa mais rica do mundo atual (nos critérios ocidentais), conheceu a história de quem antes fez o mesmo. Antecipo a uma provável reação de quem não entendeu nada, que no formato atual, somando o valor real da riqueza da pessoa mais rica do mundo (critério ocidental), convertendo para somente o que é tangível, esta continuará sendo rica, porém, muito menos poderosa.

             Mensagem de esperança aos que estão subjugados pelo poder destas riquezas: por serem reduzidas a migalhas quando somente o palpável interessa, riquezas intangíveis pela própria composição e armadilha, evaporaram, levando com elas o falso poder que as sustentou.