Sensação de alívio e angústia, ao perceber que evitamos o abismo e vemos agora alguém a beira da queda. Deixar o tempo trazer o despertar, não é nada fácil. Também, não estamos livres da sedutora malandragem, sejamos humildes em reconhecer.
.
Texto separado em 2 níveis:
Nível 1– Leitura rápida – Feito para pessoas ansiosas, apressadas, com vício na leitura rápida, que desprezam detalhes.
Nível 2 – Leitura normal – Indicado para pessoas com o hábito da leitura, capazes de analisar o conteúdo, que desejam estimular o pensamento crítico, com ineteresse em assuntos atemporais e novas perguntas.
.
Nível 1 – Leitura Rápida
É alívio e ao mesmo tempo angústia, perceber que uma pessoa caiu ou está caindo no abismo provocado pela enganação. Principalmente se a pessoa ou grupo de pessoas, é do nosso convívio cotidiano, familiar. Aquele momento em que sabemos como foi construído o caminho errado que levou quem estamos vendo, ouvindo ou lendo, a se entregar a uma bobagem com ares de faz todo sentido.
Dá vontade de falar, de mostrar que as coisas não são como venderam, que há uma arquitetura maldosa que não foi percebida. Essa vontade é angustiante, porque podemos encontrar resistência, ouvir argumentos equivocados que parecem irreversíveis, por mais esforços que façamos em mostrar a realidade e assim provocamos conflito, sem ajudar em nada.
Ter que esperar o tempo mostrar a verdade ou dar um choque na pessoa que estamos observando, não é fácil como parece. Exige sabedoria, paciência e treino, para em segundos decidir se afastar, não intervir. Além disso, valorizar o pensamento: “ufa, poderia ser eu fazendo isso!”. Nitidamente as palavras, os gestos ou o raciocínio da pessoa enganada, são entregues aos poucos, vendidas pelo lixo humano que cria ilusões e mentiras, a partir de técnicas ou malandragem pura, com palavras que funcionam como gatilho e transformam uma bobagem em algo que faz sentido.
Estar na condição de apenas observando é muito bom, traz alívio. Por outro lado, não há receita ou lista de regras que possa formar um escudo inviolável. O conjunto, a soma de conhecimento e sabedoria, nunca será suficiente. Há muito tempo, desde os pensadores de antes da Era Cristã, até os dias atuais, temos alertas sobre a sabedoria que já existe, funciona e que ignorada por nós, provoca a repetição de erros e enganos de agora.
Sejamos então humildes, para reconhecer que a antitolice é um processo contínuo, onde mesmo entendendo as armas de sedução disparadas contra nós, não estaremos totalmente protegidos, imunes ao que leva a pensar que algo faz todo sentido, sendo na verdade um engano. Qualquer que seja o preço a ser pago por não participar, não mergulhar numa bobagem, será merréquinha perto do valor que tem o alívio, por perceber que estamos apenas observando, entendendo a construção e o resultado de quem se entregou a uma tolice. Por deixar o tempo agir e despertar a pessoa enganada, ganhamos mais sabedoria e experiência, porém, nunca teremos o suficiente, será um processo contínuo e nada fácil.
.
Nível 2 – Leitura Normal
Imagine um momento qualquer em que, como quem está apenas observando à distância, somos capazes de perceber a tolice no que uma pessoa diz, faz ou acredita. Percebemos a sequência de enganos, sequenciados em semelhança a construção de uma casa, com fundação, alicerce, piso, paredes e teto. É uma metáfora que ajuda a entender como este momento observado, não aconteceu por acaso e não é instantâneo.
Acredito que a sensação seja sentida de forma igual, algo como a mistura de alívio e gratidão, por não estar ao mesmo nível, por ter superado os tantos fatores que influenciaram o resultado dos equívocos, por ter evitado participar de todo aquele emaranhado de bobagens, por conseguir recusar a tentação e agora vemos nitidamente acontecendo.
Alívio e vontade de alertar a pessoa que está sendo tola, especialmente se for do nosso convívio mais frequente, é angustiante. Essa vontade fica contida ao saber do risco de encontrar muita resistência ao que desejamos explicar, além de talvez esbarrar em pessoas arrogantes, dominadas pela cegueira temporária, fruto das paixões de quem está agora externando o que foi construído em si.
Trocar a intenção de avisar, de tentar mostrar que a pessoa está em um caminho ruim, pela paciência e permitir que o tempo se encarregue de tal ação, não é tão simples. E não é algo recente este conflito, falseando a repetição equivocada de “esse povo de agora” ou “essa nova geração”. É um erro, uma tolice usar estas palavras, quando os enganos em assuntos dos mais diversos, como política, economia, saúde, alimentação, trabalho, etc., estão em debate ao menos nos últimos quatro mil anos. Sem a pretensão de ser arrogante e repetir a chatice dos textos que trazem citações clichês, peço a compreensão por citar Ptahhotep em Ensinamentos ou Instruções (a depender da tradução acessada).
Esta citação, faço apenas para registrar que em 2350 a.C., a vontade de intervir e orientar quem está se movendo a um precipício, estava presente e sendo questionada em busca da melhor decisão do que fazer, como agir. Também não é nada que seja fácil de aplicar, Ptahhotep sugere “demonstrar silêncio”. De Confúcio, vem algo semelhante, ao sugerir que ouvindo coisas enganosas ou ruins, seja corrigido em si mesmo. Deste, entendi como sem confronto com quem está enganado. Isso foi dito em 551 a.C.! E para não ficar tão distante do tempo atual, no século XIX, Friedrich Nietzsche escreveu sobre a pessoa que olhar por muito tempo para o abismo, corre o risco de ter o abismo olhando para dentro dela. Este abismo, também entendi como equiparado ao momento em que vemos a pessoa enganada, defendendo o que foi construído em seu pensamento ou ato.
A sabedoria necessária, por vezes some quando esbarramos no que naturalmente a maturidade, a evolução como ser social, nos ensina: ter empatia. A prática nos leva a automaticamente ter o impulso de intervir, até por dó, por afetividade com quem está à beira do precipício. Ao perceber o que está acontecendo, ficar afastado e permitir que o tempo cuide de proporcionar o choque que vai resgatar a pessoa tola, trazendo-a de volta a sensatez, será mais um exercício a quem amadureceu, será aplicação direta do autocontrole, sabedoria, paciência, mesmo que para isso seja necessário muito treino anterior. Além disso, saúde mental em dia, para em segundos tomar a decisão de deixar fluir, permitir que o tempo traga a verdade, mostre a realidade. Isso também é uma antitolice, adquirida ao entender que há tanto tempo, esta sabedoria aplicada já existe e funciona.
Trazendo ao contemporâneo – escrevo em 2024 – a fragilidade do que compõe a construção dos enganos, é fruto do encontro da terra fértil com as sementes espalhadas sem pudor, por vendedores e vendedoras de ilusões. Estas pessoas, desprovidas da compaixão e da empatia, são hábeis nas palavras sedutoras, especialistas muito bem treinadas nos gatilhos mentais que praticamente hipnotizam suas vítimas. São o mais baixo nível de ser humano existente. Seja com um produto, uma ideia ou algo que parece resolver muitos problemas, a crueldade é fazer a colheita do que foi cultivado, com a perigosa imagem de que aquilo é sensacional, captando de pequenos grupos a multidões. Essa malandragem toda, é causa da angústia de quem está em sentido oposto e ouve a frase padrão da pessoa tomada pela tolice: isso faz todo sentido.
Construção do viés, com sutileza, sem deixar explícita a malandragem, é um tipo de conhecimento que não encontramos ainda um jeito de extinguir. Citados acima neste texto, quem propôs reflexão e ações, na tentativa de ao menos frear os vermes parasitas da fragilidade da mente humana, o faziam por estar vendo, ouvindo, lendo ou prevendo, as consequências da manipulação a sua época. Ao se deixar seduzir por tolices, as pessoas que estão conduzidas pelo faz todo sentido, nos permitem a confirmação de uma das mais doloridas verdades, quando o assunto é a vida em sociedade. Repetida em algumas versões, mas, com significado único: povo que não conhece a própria história, está condenado a repeti-la. De George Santayana (filósofo e escritor espanhol) a Eduardo Bueno (jornalista, “ystoriador” e escritor brasileiro), todos que insistem em tentar fazer com que as pessoas conheçam os erros que já cometemos ao longo do tempo, estão também tentando antecipar o momento em que o faz todo sentido, se desfaz com a percepção do engano.
O choque, o despertar, aquilo que é chamado de livramento para a pessoa que a nossa frente, se mostra vítima de exploradores da sua própria falta de conhecimento, é o que pessoas de boa formação conseguem desejar, aproximando este desejo do que é a melhor ajuda. Lembrando sempre que também podemos estar neste momento, sob o encantamento de algo que nos induziu ao faz sentido, até que a humildade permita a busca do conhecimento, da sabedoria que vai falsear as nossas certezas.
Se ainda não está claro o que este breve texto está apontando, faço uso dos exemplos mais corriqueiros: aquela pessoa discutindo no trânsito, xingando, buzinando ou partindo para a intimidação e agressão física. Aquela outra pessoa logo ali, falando sobre um assunto que ela não tem nenhuma experiência ou base de conhecimento, como política e ética, finanças e macroeconomia. E aquela outra, repetindo frases prontas de um líder religioso, como sendo verdades absolutas, inquestionáveis e com elas expondo a completa doutrinação enganosa. Que tal a pessoa fora de forma que garante ter resultados maravilhosos ao tomar seiscentos ml de água pela manhã, em jejum. E alguém que tenha exposto a felicidade por vender um imóvel e colocar o dinheiro em fundos de investimento indicados pelo gerente do banco. Pode ser também, a pessoa (burra) que ainda fuma ou usa drogas. Homens que deixaram a barba crescer para ter o estilo rústico, lenhador. Mulheres que acreditaram na harmonização facial e de tão convencidas, vendem a ideia também aos homens. E a pessoa pobre que empunhou a bandeira, adotou a linguagem, comportou-se como indicado por influenciadores bem treinados para enganar, não percebendo que estava indo contra si, contra seus interesses mais básicos. Aquela pessoa que tem orgulho em falar que colava em provas, que trapaceou em jogos ou que sabe usar a malandragem no cotidiano, que bebe e dirige em seguida. Também as pessoas que bebem exageradamente, para contar aos outros não o prazer que teve, mas, a quantidade consumida, sem perceber que está sendo idiota.
Continue em alívio ao lembrar de alguma situação semelhante aos exemplos acima, principalmente se estiver na condição de apenas observando. Mas, lembre-se que ninguém está completamente imune ao que leva uma pessoa a ser enganada, iludida. Aprender e praticar a antitolice, nunca será um processo concluído. Sabedoria e conhecimento, são escudos, mas, sejamos humildes em reconhecer que não estamos totalmente protegidos.
.
.
Citações neste texto:
Ptahhotep / Ptah-hotep / Ptaotep – Escreveu instruções e ensinamentos para o seu filho, com data estimada entre 2414 e 2375 a.C. Foi um sábio, alto funcionário do rei Tanquerés, no Antigo Egito. – Fonte: Wikipedia.
Confúcio – Filósofo chinês, sábio, viveu em data estimada entre 551 a.C. e 479 a.C., com ensinamentos compilados em obras literárias, entre elas Os Anacletos, onde consta a reflexão que deu base a citação no texto. – Fonte: Livro Os Anacletos, editora L&PM Pocket.
Friedrich Wilhelm Nietzsche – Filósofo clássico, autor de obras literárias relevantes como: Assim falou Zaratustra, um livro para todos e para ninguém. A citação utilizada neste texto, está na obra Além do bem e do mal, prelúdio a uma filosofia do futuro. – Fonte: Wikipedia.
George Santayana – Filósofo, poeta e escritor espanhol. A frase citada neste texto está na obra The Life of Reason: or the Phases of Human Progress. – Fonte: Wikipedia.
Eduardo Bueno – Jornalista e escritor brasileiro, autodeclarado “historiador com Y (ystoriador)”, em seus vídeos publicados no canal Buenas Ideias, na plataforma Youtube. Também conhecido como Peninha, Eduardo repete a frase citada neste texto em dezenas de vídeos e entrevistas publicadas por ele. – Fonte: o autor.
