Qual a tua renda?

ALERTA: texto looooongo e impróprio para leitura vertical.

             Em uma rápida pesquisa, a palavra renda será encontrada com diferentes significados e referências. Conforme o contexto, poderá ser um tipo de tecido, tranquilamente visualizado e por ser palpável, é inconfundível. Quando vamos para o lado “economês” da coisa, complica o entendimento, por dependência de fatores explícitos e implícitos. Para quem arrecada impostos, por exemplo, renda é uma coisa. Para questões de crédito, é outra. Em balanços e controles empresariais, outra também. Na linguagem popular, em conversas cotidianas, temos uma salada de significados e isso é um convite aberto a tolice.

             Os deuses e deusas da explicação midiática aos assuntos de momento, contribuem para confusão que sustenta a própria existência: conforme o interesse e quem financia a fala, o significado das coisas pode mudar. Sempre usando em suas exposições, palavras que deixarão um ar de sofisticação intelectual (contém ironia).

             Considerar renda como o dinheiro recebido mensalmente em troca de trabalho, é uma tolice que confirma a nossa aceitação aos convites, destes que somente depois de estar no evento, percebemos a roubada que é. Como exemplo, perceba a resposta comum a uma pergunta de aparência séria: Qual a tua renda mensal? Automaticamente veio na tua cabeça o salário ou recebimentos mensais, talvez os pagamentos de um contrato ou similar. Aquelas pessoas que recebem valores do tipo que não se declara ao governo, como “extras”, por fora, complementos sem registro, certamente fizeram a soma com salário formal, confundindo isso com renda.

             Renda? Recebimentos com o sentido de rendimentos? Isso é muito bom para quem paga ou recebe usando este entendimento. Para as pessoas que aceitam o convite e acreditam que estão certos, não tem nada de bom. Nem mesmo a quantidade de piadas e enredo para humoristas, do tipo “está sobrando muito mês para a minha renda atual”, tem algo de bom, além do riso que é saudável.

             Perguntei a um comerciante, quanto estava rendendo o supermercado que ele possuía a época. O número não importa agora, mas, ele me falou o faturamento bruto e uma “renda” bruta entre dez e quinze por cento. Porém, o “financeiro” do supermercado era caótico. Ele não conseguia dinheiro para pagar “os boletos”, recorrendo a malabarismos para tampar um buraco, com a terra de outro aberto. Sem os deuses e deusas da explicação, sem qualquer complexidade matemática, a percepção da tolice está no entendimento do que é renda. O rendimento daquele supermercado era simplesmente zero. Ocorria intermediação entre os fornecedores e os clientes, onde o dinheiro apenas trocava de mãos, passando pelo “financeiro” do supermercado.  Esta simples passagem gerava a falsa impressão de ser rendimento, renda. Tentando despertar naquele comerciante alguma antitolice, mudei a pergunta para: qual a tua retenção de dinheiro, entre o recebimento dos teus clientes e os pagamentos aos teus fornecedores?

             Algo muito semelhante ao exemplo do comerciante é o que proponho neste texto. Perceba renda como o que foi adicionado ao valor inicial, após a realização de todos os recebimentos e pagamentos, não em um período, mas, ao final de todo o tempo. Sim, recebimento não será renda, antes de descontar os pagamentos. Será renda, se o inicial permanecer e a ele houver adição, aumento. Somente a diferença entre o valor inicial e o final, se for positiva, é renda.  Para melhor visualização, acompanhe o simples exemplo: ao promover uma festinha, uma pessoa coloca o valor do ingresso a dez dinheiros. Comparecem quarenta pessoas. Ao perguntar quanto rendeu a festinha, quem responder quatrocentos dinheiros, não saberá responder qual a própria renda mensal. Depois de pagar todas as compras para realizar a festinha, o que sobrar dos quatrocentos dinheiros do ingresso, ainda não é a renda da pessoa que a promoveu. É necessário saber quanto a pessoa tinha antes e ver que este valor ainda existe. Se assim acontecer, o que foi somado ao inicial é a renda. Em números, antes da festinha a pessoa tinha em mãos duzentos dinheiros. Depois da festinha, ao pagar todos os gastos, a pessoa agora tem duzentos e oitenta dinheiros. A renda foi somente e nada mais do que oitenta dinheiros. Fácil e simples. Perceba que para ter renda, obrigatoriamente tem que ter um valor inicial e encerrar todo o ciclo de recebimentos e pagamentos.

             E se depois do parágrafo anterior, tua tendência ainda seja de acreditar que salário é renda, o bom convite que a antitolice faz é responder as seguintes perguntas: todos os teus gastos estão pagos ou tem algo que foi “esticado” em parcelamento para salários futuros? Antes de receber o salário, qual era o valor que estava disponível? Depois de pagar tudo, sobrou quanto? Esta é a tua renda mensal. Não adianta inventar malabarismo e aplicar a matemática conhecida como data futura. Renda somente pode ser verdadeira se calculada na data presente, com todos os recebimentos e pagamentos nesta data. Não parece, mas, é bem simples de entender.

             Em tempos de debates sobre a desigualdade social, expressão que dá um efeito gourmet aos temas pobreza e enriquecimento, a renda deveria estar em destaque. Não está e não estará. Quando “pobres” puderem perceber o que realmente é renda, afetará diretamente a parte que enriquece com a confusão do momento atual. O entendimento popular do que significa renda de verdade, além de ser antitolice, pode perturbar o sossego de quem está colhendo os frutos do esforço alheio há muito tempo. Considere muito tempo, algo bem maior do que décadas. O falso sentido de rendimento e renda, praticado no cotidiano, freia a redução da desigualdade. Ao pensar em superar esta consequência da criação do dinheiro, pelo bem-estar da maioria ou pela tentativa de retomar a humanização da vida que vivemos, temos um desafio maior. Não vamos sair do ponto zero em proposições, antes de levar a todos o entendimento sobre qual a renda de cada um.

             O entendimento definitivo do que é renda, traz como consequência a percepção da cruel realidade onde pobre não tem renda. Até mesmo quem não se considera pobre, por estar na mesma faixa salarial da maioria, saberá que não tem renda. Os que se consideram classe média – outro entendimento furado – talvez tenham alguma renda se a conta for feita com um período muito longo, algo como quinze a vinte anos entre o início do cálculo e o momento atual. Porém, há um outro detalhe muito importante: somente se apura a renda quando termina o tempo (prazo) do investimento. Complicou? Não. Volte ao exemplo da festinha, o início do investimento seria na decisão de realizar o evento e o final, quando recebe todos os ingressos e paga todas as despesas, incluindo as parceladas. A conta para saber quanto é a tua renda mensal, não existe. Somente podemos saber quanto é o teu recebimento e alguns dos pagamentos, que pela dinâmica atual, podem acontecer em meses diferentes. Por exemplo, recebe pagamentos referentes a maio, pagando coisas de março e abril, mas, em junho. Qual a renda? Indefinida, incalculável, provavelmente nula e possivelmente o resultado seja o contrário de renda.

             Aos que realmente possuem renda, é mais fácil o entendimento e a percepção dela. Há meios de saber ao final de um intervalo de tempo escolhido, quanto foi a renda. Isso ocorrerá desde que seja observado o detalhe: o final de todos os pagamentos e recebimentos referentes ao que está sendo avaliado. Exemplo: quanto rendeu um imóvel, para um herdeiro que o recebeu com o valor de mil dinheiros e o vendeu por dez mil dinheiros. Será muito fácil saber qual foi a renda. Resista a tolice de responder que foi nove mil dinheiros de renda.

             Quer saber se tu és uma pessoa que tem renda? Antes, será necessário entender que recebimento não é renda, salário não é renda, negocinho por fora não é renda e tudo mais que foi exposto neste texto precisa ser compreendido. Me perdoe se vier a perceber que não tem nada além de recebimentos e a ilusão de que está rendendo alguma coisa. Resista a tolice de fazer contas do tipo: “separe vinte por cento da tua renda e guarde em uma soma para dar de entrada no financiamento de uma casa, carro ou qualquer bem material. Responda antes  disso a simples pergunta: tenho renda?