Pro Esperançar.

             Feliz Natal e Próspero Ano Novo. Quem nasceu antes do ano 2000, conhece esta frase dos cartões e mensagens recebidas ao final do ano. Acredito que quem criou este hit, não colheu qualquer fruto financeiro com o alcance, quantidade de impressões, falas e repetições que a frase teve. Em outra perspectiva, como ocorre com outras frases populares, é comum ter pessoas repetindo, mesmo sem entender ou conhecer o sentido das palavras que estão ali. Algo como, meus pêsames ou parabéns e muitas felicidades. É automático.

             Próspero. Quem poderia imaginar que prosperidade seria palavra da moda em 2024? A repetição em todos os finais de ano e a exaustiva presença nas conversas, em vídeos, escritas, trouxe uma perceptível mudança de sentido. Indiretamente, fez com que diferentes grupos de pessoas utilizem esta palavra e suas variantes, gerando como resultando uma grande tolice. A palavra prosperidade, agora está sendo usada para dar um contexto aos atos de  “sonhar”, “lutar” e “comprar”, podendo assim considerar-se pessoa bem-sucedida, aquela que realizar a compra, seja lá como for. Não importa mais se vai ser de forma lícita, moralmente aceitável, limpa ou se terá “atalhos”.

             Nota-se que a tolice começa com desejar muito ter coisas materiais, como carros, imóveis, roupas caras, joias, cabelos implantados e partes do corpo postiças. Depois, tem que ter algum esforço e sacrifícios, até mesmo para ilustrar a estorinha. Então, passos seguidos com muita motivação e enfim a pessoa vai realizar o desejo. Isso passou a significar que a pessoa prosperou.

             Igual a tantas outras alterações de significados, essa também aponta elevado nível de tolice e esconde perigosas alterações da natureza humana. Ter carros não é algo natural e até mesmo, ter propriedades já é uma alteração “recente” no jeito humano de viver. Há incentivos para que esta mudança ocorra de forma a parecer natural. Considere o uso da palavra incentivos, como uma suavização para tornar o texto mais amigável, especialmente a quem até este momento discorda ou lê com desconfiança.

             Como e de onde veio essa relação entre ter coisas e considerar isso prosperidade, talvez não seja tão difícil de explicar, mas, não é o alvo deste texto. O brilho dado ao esforço para comprar e acumular estas coisas materiais, é muito maior do que a aparência cinzenta dada ao campo racional. Quem faz brilhar um, depende de ofuscar o outro, como condição indispensável para longevidade do que propõe.

             Perigosamente, definiu-se que a pessoa que “comprou”, prosperou. O grupo que não consegue ver sentido em “desejar, comprar, manter, desejar mais, comprar mais, manter mais, ad aeternum”, está definido como fracassado, de vida amarga, frustrados, perdedores. Curiosamente, esta lógica não é natural e foi inventada por alguém que na origem, dependia do aceite inquestionável dela, para o próprio benefício e facilitação em acumular coisas materiais. Doce é a vida de quem “prosperou”.  Peço atenção ao uso das aspas, mais do que ironia é convite ao entendimento do raciocínio seguinte.

             Então, chegamos aqui ao elo entre a origem espertinha e o momento atual: alguém “prosperou” antes das pessoas que devem agora buscar a prosperidade igual a deste alguém. O óbvio neste caso, engana e abre inúmeras derivações. Na prática, ao afastar o zoom, veremos uma lógica chatinha e ao mesmo tempo discreta: se um “prosperou” antes, logo, os próximos a “prosperar”, alimentam a “prosperidade” do primeiro, aumentando a distância entre a soma do que cada “prosperado” pode ter. Quem acumulou antes, vai incentivar a busca das outras pessoas pela prosperidade, por benefício direto e monetário ao final das contas. A tolice fica para quem aceitar a motivação pelo aparente sucesso da pessoa que fez primeiro. Vai deseja e busca ter as mesmas coisas materiais que esta pessoa. Ironia, paradoxo ou proposital, o resultado de toda essa lógica, ao entender o raciocínio, não se encontrará ligação com o significado original de prosperar:  motivar a esperança. Pró esperançar.

             É importante entender que não há tolice no uso e desejo de ter coisas materiais. Andar com um bom carro, estar em uma casa que te agrada, enfeitar-se com ouro e pedras caras, não será sempre uma tolice. Dar a isso o sentido de prosperidade, sim, é tolice. Ao ato desejar muito, ao de mentalizar que vai realizar uma compra que virou um sonho ou desejo, ao esforçar-se e enfim comprar, isso significa outra coisa. O próspero esteve no processo, não na realização. Mudar o sentido das palavras, para adequação necessária a continuidade de pessoas iludidas com aparente sucesso, quando na verdade estão alimentando a riqueza de outras, também tem outro nome, outro significado. Por sinal, incompatível com prosperar.

             Para evoluir na soma de coisas materiais, quem parte do nada ou do quase nada, obrigatoriamente vai pagar alguma soma a alguém. Quando a soma de quem desejou “ter” é realizada, quando o pagamento ocorre, a sensação do aparente sucesso é indescritível. Porém, como consequência, bem-sucedida é a pessoa que motivou este processo todo. Para esta pessoa, o retorno do incentivo que deu a “prosperidade” da pessoa tola, tem como resultado aumento da sua soma de “prosperidades” anteriores. Literalmente.

             Da mesma forma que entra na moda, na repetição automatizada, as palavras do momento (hype), discreta e suavemente são sendo trocadas, absorvendo sentidos que não são sequer compatíveis com o original. Isso vai abrindo e fechando pequenos ciclos alimentados pela tolice de quem compra essas palavras. Por obviedade e bem alimentado, o ciclo maior permanece existindo e aumentando seu escudo. Feliz e próspero.