Direito A Teimosia

Alerta: contém suave ironia.

             Basta uma breve caminhada e qualquer pessoa desprovida de tensões sociais, perceberá comportamentos de pura teimosia. As reações provocadas são diversas, incluindo a sensação de incômodo e para alguns casos, não faltará um xingamento ou reprovação. Entendo que a “vida agitada” não permite ficar observando essas coisas que não estão relacionadas a produtividade, ao giro da economia e das finanças. Entendo também que cada um cuida da sua vida e por isso escrevo sobre este direito que todos têm, a teimosia.

             Persistência é diferente. Por exemplo, exercício físico é necessário e para aproveitar os benefícios dele, entre outras coisas é necessário persistência, não desistir. Fumar – qualquer porcaria existente – será sempre uma teimosia. O primeiro comportamento gera algo positivo e o segundo, com todas as informações, os alertas e testemunhos existentes, somente por teimosia alguém ainda faz.

             É um direito teimar. Quando as informações eram restritas, o acesso ao conhecimento era privilégio de poucos, fazer algo tosco não caracterizava teimosia. Hoje, quem insiste em contrariar o que já entendemos como tolice ou que pode colocar pessoas em risco, exerce o seu direito a teimosia. E os exemplos dela são tantos, que reservei um espaço ao final do texto, para citar alguns que podem estar no teu cotidiano, mesmo que despercebidos.

             Uma das explicações para a teimosia, é a necessidade que algumas pessoas têm de chamar a atenção das outras. Agindo de forma tola em situações específicas, é inegável que vai chamar a atenção. Isso também colabora com a sensação de poder, de desafiar “o resto”, por ter direito a contrariar. Apesar da necessidade, não há como colocar ao lado de cada pessoa teimosa, uma com paciência suficiente para explicar, propor entendimento e sem ferir o direito a teimosia, romper o bloqueio cognitivo. É como combater um vírus em um sistema que deveria estar equilibrado, um desses que tem mutações imprevisíveis, dificultando o reestabelecimento do que é desejado. Não há uma solução que resolva coletivamente e não há como ajudar individualmente. Por isso não se nega o direito a continuar teimando e por consequência, acabamos praticando o ato de deixar que teime.

             Mas, há uma esperança, uma corrente positiva desejando que naturalmente seja interrompida a teimosia. Sabe-se que a tentativa de forçar este movimento, pode potencializar o problema e apesar da boa intenção, piorar o quadro. Ao perceber que o resultado desejado está se afastando, o melhor é deixar o tempo agir. E quando acontecer o resgate, a volta da conexão com a realidade, proponho que não haja qualquer menção ou cobrança sobre o comportamento anterior. Entendo o quanto isso é difícil de ser praticado, a sensação de vitória nos faz querer valorizar a conquista, narrando as etapas vencidas. Esquecer parece ser a melhor opção. Posso imaginar o outro lado, a pessoa teimosa, com a sensação de vergonha por ter sido. Não é interessante.

             Muitos já escreveram sobre o assunto, autores recentes e antigos. Incontáveis são as frases, os capítulos e livros dedicados a tentativa recuperar os teimosos a partir da pulverização de alguma sabedoria. Percebe-se que esta é a primeira a ser negada e parece até ofensa a quem mais precisa dela. As frases famosas como “não se obtém resultado diferente, repetindo os mesmos erros” ou algo parecido com isso, são citadas com persistência, na tentativa de ajudar sinalizando boa vontade, e percebemos nitidamente que não está funcionando. O impacto é maior para quem fala ou cita a frase do que para quem teima em negar e contrariar. Persistindo, prefiro repetir aqui uma pouco conhecida, escrita há tempos por um autor clássico, em um contexto diferente, mas, será bem fácil de entender a relação com a teimosia:

             “E, como existem três gradações de inteligência — o primeiro entende por si, o segundo discerne o que outro entendeu, o terceiro não entende nem a si nem a outrem; sendo o primeiro excelente, o segundo ótimo e o terceiro inútil.”

             Sejamos fortes e persistentes para ficar na primeira ou na segunda gradação citada pelo sábio autor da frase acima, que como incentivo a pesquisa e busca do conhecimento, não o nominarei. Tenhamos paciência com as pessoas teimosas, ao meu entendimento, o direito que elas exercem, naturalmente existe e as coloca na terceira gradação, tendo relação direta com a inteligência. A melhor forma de viver em sociedade, pelo menos ao conhecimento que temos até o momento, contém uma premissa de respeito a liberdade individual, incluindo o direito a teimosia, mesmo que seja um sinal de burrice.

             Algumas tolices que deixei para relacionar aqui ao final do texto, são bem leves e as mais graves certamente serão percebidas, mesmo que não citadas. Sendo vistas ou “eventualmente” praticadas por ti no contexto 2024, são teimosia pura.

             – Dirigir alcoolizado ou sob efeito de drogas (lícitas ou ilícitas). – Ser entusiasta e conhecedor de muitos detalhes sobre equipamentos e estratégias de guerra (T_são por armas). – Usar perfume que “domina o ambiente”.  – Fumar (qualquer porcaria em qualquer lugar) – Negar-se a usar fone de ouvido. – Usar o celular ao dirigir (lendo mensagens ou falando). – Não usar guarda-chuva em dia chuvoso (por birra). – Não usar plural ou flexão de verbos (mesmo tendo segundo grau completo). – Ter carro esportivo para uso no cotidiano em via pública. – Interpretar leis conforme imaginação própria. – Chamar de inovação o que já existe. – Não usar filtro solar. – Confundir filmes e séries com a vida real. – Não reconhecer que foi enganado. – Usar “todo mundo” para falar da sua bolha. – Achar que conhece o mundo sem conhecer a própria vizinhança. – Acreditar nas descrições “quem somos” em sites de empresas e instituições. – Realizar “festas” em apartamentos. – “Desafiar” regras expressas para lugares públicos e comerciais. – Não fechar portas justificando com “vou ali rapidinho”. – Usar banheiro sem qualquer zelo pela higiene e ordem do local (não é quem vai limpar). – Acreditar que comportamento de pessoas em Reality Show é real (não roteirizado). – Insistir em falar mentiras já reveladas (falar, defender e replicar). – Acelerar moto até cortar o giro. – Etc.

             A lista poderia ser muito maior e o significado irônico de teimosia utilizado neste texto, não deixa dúvidas. Fazer o quê? Paciência. É um direito.