Relativizar

              Quando a supervalorização é uma tolice, quando para um grupo restrito algo se torna ultra relevante, uma forma de não cair na sedução da historinha é simplesmente pensar e se puder, falar, a combinação irônica das palavras “grandes coisas”. Sim, haverá uma fantasia criada para dar valor ao que relativamente nada importa. Do que estamos falando? De tudo que possa induzir uma pessoa ao consumo desnecessário, das armadilhas que capturam parte da mente sã transformando-a em dodói, das pequenas tolices que em campo fértil potencializam conflitos, do alimento a desigualdade social por valores não humanos, de tudo que não tem importância para o individual, não agrega ao coletivo e só interessa a um ou poucos.

              Antigamente, em tempos não tão distantes, falava-se dar de ombros. Era uma encenação do significado para “grandes coisas”. Um comercial na TV, uma notícia no rádio, um texto no jornal, quando comentados entre as pessoas comuns, aquelas não seduzidas pela fantasia, davam de ombros e repetiam “grandes coisas. Ao perder esta capacidade de relativizar, entregamos o know-how, a fórmula para que sem dó, sejamos conduzidos ao emburrecimento, individual e coletivo. E não adianta tentar ver esta condição como algo que não acontece contigo. Qualquer que seja o teu argumento em autodefesa, antecipo a minha reação: “grandes coisas”. E, sei que ao esticar a conversa, vai aparecer algo indicando que te enganaram, algo que foi supervalorizado para te conquistar e te fazer de trouxa.

              “Tenho tal carro”, grandes coisas. “A casa deles tem detalhes em ouro”, grandes coisas. “Morei fora do país e conheço outras culturas”, grandes coisas. “Tenho cargo de responsabilidade e respeito onde trabalho”, grandes coisas. “Ganhei muito dinheiro com este empreendimento”, grandes coisas. “Posso me considerar especialista”, dei de ombros. “Compre e tenha o melhor”, grandes coisas. “Nosso objetivo é alcançar a liderança”, dei de ombros. “A tecnologia embarcada neste produto é resultado de muita engenharia, muita inteligência e investimento em inovação”, grandes coisas.

              Trazendo para situações em que é necessário expor algo relevante e valioso, a falta de prática na avaliação do que realmente importa, traz a subvalorização e como consequência, o ataque com argumentos do subconsciente, lá onde está a ideia tosca vendida como sensacional. Genial é responder a estes ataques com uma florzinha. Significa dar de ombros e não entregar ao agressor o combustível para continuar o desejado, seja lá o que for. Há exceções muito relevantes que devem ser judicializadas, estamos falando de tolices que não devem ser supervalorizadas. É tolice permitir que o nada se torne grande. Ao não dar de ombros, abrimos o caminho para quem quer fazer dinheiro nos induzindo a dar valor ao que está disfarçadamente transformado em produto. Como no uso de frases de efeito para te convencer a comprar uma ideia, um produto, um serviço, um ídolo. Parece coisa velha, do tipo ninguém mais cai nessa conversinha, porém, continuamos a ver pessoas seduzidas por coisas de curta duração, de pouca utilidade futura, mas, apelo e preço muito atrativos. Ainda assistimos a pessoas arrebanhando milhares para que sigam ideias absurdas e irracionais. Por exemplo, acreditar que somente uma religião é válida, afinal uma pessoa teria dito algo que seria regra inquestionável a salvação. O falso acolhimento dos teus deslizes, como prova que a outra religião é do mal e deve ser eliminada a qualquer custo.

              Ao não lembrar da ironia “grandes coisas”, de tempos em tempos, surge uma nova tolice seduzindo milhares, em alguns casos milhões. Mesmo com farto material registrando os “golpes” anteriores, como justificar que pessoas supostamente espertas sejam enganadas tão facilmente? Solução mágica para emagrecer, drogas para melhorar a performance, políticos e líderes religiosos, teorias, cursos, cursos e mais cursos inúteis, “pague e tenha acesso aos segredos do sucesso”, vitaminas para melhorar o cérebro, receita para rejuvenescer, o restaurante mais sensacional do mundo. Grandes coisas.

              Grandes coisas de verdade não têm preço. Se teu pensamento é de que tudo tem um preço, é ele que não vale nada. Grandes coisas não precisam de propaganda para que sejam indispensáveis. Problemas complexos que exigem soluções complexas, devem despertar em nós o sinal de alerta, há possibilidade de ter interesses safados em complicar o simples, para vender a solução a preço supervalorizado. Quem faz a engenharia do caos, sempre oferece a melhor saída, nem sempre explicitamente, mas, sempre com requintada sedução. O que falta para sair destes ciclos e vícios? Dar de ombros. Entender e voltar a praticar a relativização, onde o que importa é o valor real. Exemplo clássico é o formato dos atuais supermercados, com produtos incentivados pelos mais diversos truques e sofisticadas técnicas de ilusionismo. Com alguma prática, facilmente podemos relativizar o que estão tentando nos vender como indispensável. Neste caso, imóveis imensos que abrigam este tipo de comércio, seriam reduzidos a uma pequena salinha. Em outras palavras, tirando do ambiente supermercado o que não tem valor algum, sobra tão pouco que não precisa muito espaço e bem menos esforço para vender. O que é necessário será comprado mesmo sem propaganda, sem incentivos.

              Posso perceber algum desdém ao que tentei expor nas palavras acima. Dou de ombros. Ofereço uma florzinha. Dou valor a quem conseguir pacificar algum conflito pessoal ou coletivo, com o uso da ironia “grandes coisas” e uma boa risada. Ao ver qualquer pessoa dando de ombros a quem tenta vender ideias, pessoas, conceitos, histórias ou até mesmo produtos de consumo desnecessários, tenho motivos de sobra para ser otimista. Podemos sim virar o jogo e sair desta atual derrota que nos leva a dar de ombros a quem precisa de apoio, e, supervalorizar o que deveria ser apenas lixo. A quem está hoje ganhando o jogo de forma suja ou roubada, ofereço uma reação de quem acredita que serão derrotados, um efusivo subir e descer de ombros e as palavras que os irritarão: grandes coisas.

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