Receio que a palavra tosco não seja amigável e entendida em todas as gerações, especialmente para os nascidos após o ano 2000. Por coincidência ou não, a minha percepção da maior movimentação no culto ao tosco, tem nesta época os sinais mais nítidos. Seja em objetos ou personalidades, nas ações do cotidiano, até mesmo em falas e gestos (propositais) de pessoas públicas. Com mais acesso a diferentes mídias, percebi que o aspecto tosco tem fã clube e entusiastas. Em alguns casos, talvez na maioria deles, o “sinal é invertido”, ou seja, o tosco passa a ter um charme, sendo “vendido” como moda que logo viraliza e quem se nega a aderir, automaticamente se torna pessoa chata que é “contra tudo”.
Aos não familiarizados com o significado de tosco, resumindo, é algo mal feito, com rusticidade exagerada, aspecto grosseiro, sem qualquer refinamento, que sabe-se ter superação e foi substituído por uma evolução. É importante não confundir tosco com simples. Por exemplo em objetos, um recorte de borracha macia pode ser a sola de um chinelo simples, mas, recortar um pneu usado, colocar uma tira e usar sob os pés é algo tosco. Não podemos classificar os dois objetos numa mesma categoria, o nível de qualificação do recorte de borracha macia, por mais simples que seja, é maior que a sola em recorte do pneu e um chinelo assim se torna algo tosco, bem como quem o estiver usando. Trazendo para pessoas e seus atos, uma frase dita com poucas palavras, em resposta à pergunta: “podemos visitar este local?”, se for “podemos sim” é resposta simples, mas, se for “imo agora memo”, aí é tosco em alto grau.
Todo culto ao tosco gera o famoso “nivelamento por baixo”. Significa que está sendo valorizado o menor nível e aqui entra o risco, tanto em objetos como em atos, por glorificar o atraso, o retrocesso. Quando este culto não passa de moda, algo proposital para vender produtos, por exemplo, homens com barba estilo “lenhador”, é relativamente inofensivo. Quem embarcar no fluxo deste marketing, no máximo está gastando dinheiro, alimentando um nicho de negócios e o faz por escolha, sem amarras para sair (basta espelho ou cair a moda). Há quem repita neste caso as frases plantadas para alavancar o nicho, algo como “eu adoro quem tem barba de lenhador, impõe respeito” ou então “odeio homem com cara de bebê, sem barba”. Não há problemas, a recorrência desejada (pelo marketing) nas incontáveis novas barbearias está semeada, a indústria de cosméticos ganha mais consumo e nenhum problema maior com isso. Mas, o tosco deixará de ser inofensivo, quando cria uma religiosidade em torno de ideias atrasadas, de comportamento propositalmente grosseiro, antiquado. O passo para formar uma espécie de âncora, ter amarras psicológicas graves, chega sem muito esforço a grandes massas, é sedutor, desperta memórias afetivas e acaba enraizando o tosco com idolatria. Deste ponto, pessoas seduzidas pelo mesmo formato de marketing da barba de lenhador, não conseguem mais se livrar do que lhes foi vendido. Observa-se o extremo desta maldade, quando após cultuar algo tosto, uma pessoa chega ao gravíssimo ato de encerrar a vida ao ver falseado aquilo que defendeu, incorporou ao cotidiano ou convenceu outras pessoas a aderirem. O que era inofensivo torna-se irremediável.
Como inverso ao tosco, não imagino que o perfeito seja o melhor, por ser inatingível. Propor equilíbrio é sinal de sensatez e é nele que nos fortalecemos contra as tolices que estão o tempo todo tentando nos seduzir. Este equilíbrio, penso sem ter qualquer base científica ou filosófica, que será melhor perseguido se as referências apontarem para altos níveis, inspirando evolução. Sei que o tosco vende mais fácil, mas, nós, seres humanos vivendo em sociedade, somos fruto da evolução e o tosco só serve para nos alertar que não devemos regredir. Em fatos recentes, o processo para evoluir está sendo colocado a prova e perdendo espaço para o tosco. Basta um verniz em um tijolo quebrado sem reboco e fica lindo.
O verniz no tosco é fruto da elite calada, soberba. O culto ao tosco ganha espaço quando o nível qualificado se consolida muito distante e de difícil acesso aos comuns. Ao desprezar quem não conseguiu acompanhar a evolução, participar da mudança de nível, fica aberto o espaço a sedução pelo tosco. Assim, por afinidade ou protesto, caímos em armadilhas e por exemplo, elegemos o pior que há entre nós para sermos representados por eles. Chega a ser igualmente tosco o ato de conduzir ao poder alguém desqualificado e o efeito amarra citado antes, isso faz com que o baixo nível se torne referência e alvo. Tosco pode ser engraçado, deve ser apresentado em peças de humor, nos fazer perceber que ao rir daquilo, reconhecemos uma evolução e apontamos o alvo para algo melhor. Não é útil cultuar algo tosco, é perigoso dar poder a alguém com este perfil e a irresponsável ação coletiva, atinge diretamente o individual. O tosco não sabe como as coisas são feitas, como elas existem e para o quê servem, ele nega o valor da inovação e coloca algo do seu nível no lugar. Quando a consequência chega, é tarde, o tempo segue uma evolução, um mais um compondo sempre algo a frente. Não podemos parar o tempo nem fazer involução, de um subtraindo um para ser como o tosco, atrasados. Quem fixou âncora, saiba que o tempo é cruel, custa caro ter que correr para alcançá-lo em recuperação ao perdido. Por isso, fixe no qualificado, evoluído, nível mais alto e melhor que o atual. Por mais simples que seja.
E atenção, já é de conhecimento das pessoas com a mente apodrecida, que o tosco seduz pessoas tolas. Quem não estiver com a percepção aguçada, pode acreditar nas cenas produzidas para dar a impressão de simplicidade, com perfil tosco descarado, para propositalmente seduzir a confiança de quem acessa este nível com mais facilidade do que se for algo qualificado. Em outras palavras, vendendo uma imagem falsa, te enganando. Ou pelo menos tentando te enganar. Pode ser que a armadilha funcione, mas, a escolha para sair dela é totalmente tua, sem drama, sem culpa, apenas saindo.
