Em tempos de pessoas cheias de “remédios”, com vontade de falar, usando aplicativos para tudo, socialização obrigatória seja eletrônica ou presencial, todos recebem muitos estímulos para se soltar, expressar o que estão sentindo e pensando, porém, não se fala em freio. Uma forma didática de visualizar este assunto, pode ser a comparação com pessoas aprendendo a dirigir, imagine que a instrução seja apenas acelerar, qual será o resultado? É inegável que há muito incentivo para acelerar, usando na vida pessoal a lógica e palavras corporativas, como produtividade, eficiência, agilidade, perfil “red pill”. Há um conjunto ativo de aceleradores, sem qualquer instrução de controle, o bom freio. E este não deveria ser em forma de lei, bem menos ter as regras controladas por governantes ou pelo estado formal.
A linguagem e o meio onde uma pessoa vai se expressar, considerando elementos como idiomas, gírias, roupas, calçados, corte de cabelo, tatuagens, estão incomparáveis com as décadas anteriores. Um dos efeitos desta incompatibilidade de parâmetros, é a sensação de pertencimento a grupos ou contextos em que a pessoa não está inserida, gerando a tão falada falta de bom senso, a turma dos “sem noção”. Faço uso novamente de exemplo para contextualizar. Um apresentador de podcast que afirma ser perseguido, censurado, vítima de abuso do poder público, usou com muita frequência em suas falas, a Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos da América. Como referência ou inspiração, nenhum problema, mas, o tal apresentador desejou literalmente a aplicação da constituição dos EUA no Brasil! A falta de autocensura no que ele diz não somente quanto a “primeira emenda”, fez com que seus amigos muito próximos, também em fala pública, afirmassem que ele não é má pessoa, é apenas burro. Pode não ser exatamente a minha percepção, burrice não é o caso do jovem comunicador.
O resultado da aceleração do pensamento sem qualquer freio, é cometer excessos, flertar com a ignorância, a realidade paralela e o erro. Uma relevante inexistência de autocensura, equivale a um veículo sendo acelerado sem ter dispositivo que o faça reduzir ou parar, onde estas duas ações sejam fundamentais para evitar acidentes, inclusive fatais. A autocensura é a forma mais simples de liberdade de expressão, partindo da consciência de cada pessoa, por iniciativa própria. Aqui entra um grau de dificuldade para aqueles em que a autoestima supera os níveis aceitáveis, que é a ação ultrarrápida de pensar antes de agir ou falar, raciocinar em “picotesla” de tempo antes de fazer qualquer coisa. Este grau de dificuldade vira patologia quando a necessidade é de reconhecimento da falha, arrependimento e reparação. O cérebro deste perfil está pré-formatado e não consegue realizar estas três etapas, sendo necessário auxílio e não raro tratamento clínico.
Não há como generalizar e colocar “no mesmo balaio” as pessoas do mundo atual. Seria uma tolice considerar que todos estão no mesmo tempo e expostos aos mesmos desafios. Enquanto eu escrevo estas palavras em condições razoáveis de conforto, há quem esteja usando algum entorpecente em ambiente vida louca, há quem esteja sem piscar os olhos diante de uma tarefa profissional obrigatória, isso sem esquecer os invisíveis que estão preocupados somente com o básico para viver, buscando um pouco de água e comida. Tenho consciência que existe esta desigualdade e minha proposição é direcionada a quem possa neste momento dispor de alguns instantes para leitura e reflexão.
Estamos perigosamente próximos ao momento de escolher entre algo parecido com autocensura ou censura obrigatória. A primeira opção é muito mais fácil e atrativa, podemos contar com sinais nítidos de excesso e frear o pensamento, nossas ações. Seja na vida real, no ambiente físico em que estivermos, as reações dos mais próximos podemos converter em elementos consistentes para autocensura. Não é difícil perceber e em pouquíssimo tempo o resultado vem e é satisfatório. Liberdade de expressão, respeito, aceitação, pertencimento, reconhecimento e muito sucesso, são resultados imediatos para a pessoa que opta pela autocensura. A outra opção, jamais será tranquila, porém, está se tornando necessária.
Com o cenário já citado de aceleração do pensamento estimulada por múltiplos fatores, basta uma tolice como não perceber que somos brasileiros e não estadunidenses, que a constituição deles não é aplicável aqui, para que se tenha incontroláveis conexões com cérebros de igual aceleração no momento do contato com a fala. O fruto desta imbecilidade coletiva, alimenta ações imprevisíveis e danos que podem chegar a proporções comparáveis aos acidentes com veículos sem freio. Neste caso, não cabe a pessoa o direito de seguir causando tumulto e a entropia deve sim sofrer ação de censura por iniciativa de autoridades. É horrível que isso aconteça, mas, foi opção de quem não aceitou a autocensura. O debate público, o questionamento da ação governamental, da aplicação das leis vigentes, não passa de tempo e energia desperdiçados. Há uma opção de autocensura, sendo ignorada, aplica-se então o rigor do controle social, mesmo que provoque difícil aceitação, o freio será necessário.
A liberdade é muito diferente da anarquia. Uma é vital, a outra é tolice. Ambas facilmente identificadas e a quem tenta complicar ou confundir, seja livre para optar entre autocensurar-se ou ser censurado rigorosamente. É o freio em harmonia com o acelerador.
