Pragas e das mais difíceis de combater, sem notícias ou perspectiva de extinção, o ignorantão e a ignorantona. Não é assunto novo, uma busca rápida retorna artigos, opiniões, ironias e amostras do quão antiga é a percepção da existência deles. Encontrados em nichos ou isolados, com características pessoais e condições financeiras diversas, faixa etária múltipla e perpetuação garantida quase naturalmente. Motivo de risadas, fonte inesgotável de conteúdo para humoristas e personagens de filmes, novelas, teatros. Decepção e incredulidade quando são pessoas muito próximas a nós, trazendo surpresa ruim quando demonstram que se entregaram a ignorância.
Mesmo com reconhecida melhoria no acesso à educação para as gerações recentes, eles continuam a existir, deixando perplexos quem os ouve, por não haver uma explicação válida e comum a todos os casos. Desânimo, vontade de não acreditar e torcida para que seja apenas uma piada, quando a ignorância se manifesta em pessoas com alguma sobriedade no geral, mas, em um determinado assunto, mergulham no mundo paralelo de palavras e pensamentos inaceitáveis aos portadores de cérebro humano em plena atividade.
Antes da popularização recente (menos de 10 anos) das redes sociais, o ignorantão e a ignorantona, eram estudados e fomentavam reflexões, também havia quem sentisse pena deles e pareciam inofensivos, irrelevantes em sua própria essência. Acredito que a razão para isso era o alcance das bobagens que falavam. Raramente uma pessoa com este perfil, conseguia ver suas tolices replicadas além do pequeno círculo de convivência. Pós redes sociais, o fenômeno da atratividade por coisas sem sentido, não só expôs maior número de ignorantes, como também formou novos praticantes fervorosos. O círculo social destas pessoas era no máximo de algumas poucas dezenas, agora mesmo sem ter qualquer vínculo pessoal, sem contato físico ou necessidade em saber quem é a pessoa que está falando ou escrevendo, o alcance do que diz um ignorante chega a milhões de repetições. Fatos, datas, estudos, literatura, regras, leis, enfim, tudo que se sabe a origem ou se tem uma fonte comprovada de veracidade, não somente é negado por eles, como também abre espaço para crendices absurdas e suposições ridículas. Quando a mentira se une a ignorância, juntas encontram fértil campo para uma das atividades preferidas dos ignorantes: a arte de criar realidade paralela. Duvidar do que não entenderam, negar o que não conhecem, interpretar de forma exótica aquilo que está muito bem explicado e apenas não chegou até eles, transformando suas atitudes em desafio a boa convivência, partindo de coisas mais simples como uma lei de trânsito, vacinação, até mais complexas, como uso de uma medicação e entendimento de regras e ética.
Pensando em amenizar a proliferação desta praga, uma contribuição já testada e com resultados satisfatórios é silenciar. Ao surgir uma situação em que alguém se manifesta com perfil de ignorante, o silêncio age como escudo e de certa forma atua como potencializador da reversão da causa do problema. Todos os ignorantões e as ignorantonas, são barulhentos, reativos, não conseguem conter o ímpeto de se manifestar. Silenciando, ajudamos a frear no ato e colocamos uma barreira na sequência lógica do pensamento que produz mais e mais ignorância. Esta proposição faz frente também a uma inegável condição de recusa inicial deles em reconhecer que estão errados ou que há equívoco. Tentar argumentar ou fazer um alerta para pessoas ignorantes, apesar da boa intenção, é infrutífero, potencializa a reatividade e multiplica na mente delas as descargas energéticas criadoras de mais e mais besteirol. Jamais um ignorantão ou ignorantona admite que está enganado sobre algo. Sendo assim, de fato o silêncio pode ser inspirador, para que neles o lapso de tempo da mente silenciada, comece a reversão da ignorância, a partir de uma simples e silenciosa reflexão, uma luz na treva existente e que o cérebro é capaz de irradiar na forma de correção da rota.
Silenciar diante de um ignorantão ou ignorantona, é uma forma de reconhecer que os sábios da antiguidade tinham razão e a sabedoria se aplica em tempos atuais. Sêneca é um dos mais citados em relação a esta forma de agir. Parte de uma frase atribuída a ele diz: “aconselhar um ignorante é inútil”. Podemos usar também a sabedoria de outro muito citado, Confúcio. A ele é atribuída uma frase sobre o tema: “a ignorância é a noite (treva) da mente.” Tomados pela compaixão e senso de humanidade, podemos de forma sutil, em momento oportuno e após o silêncio encerrar a interação com a ignorância a que estivermos expostos, sugerir uma luz nesta treva mental. Indicar um texto, vídeo, fala, estudo ou algo que possa iluminar o pensamento deles. Ter dó é normal, mas, ajudamos apontando uma forma de livrar a mente ignorante, com acesso ao conhecimento, abrindo caminho para corrigir uma trilha defeituosa nas interações cognitivas.
E para contextualizar, até mesmo atualizar o que estou considerando como identificador de ignorantões e ignorantonas, deixo aqui alguns exemplos, baseados em fatos reais (ironia) e recentes: aquele que faz propaganda de remédio que não serve para determinada doença, aquela que espalha uma notícia falsa e ao ter a confirmação do equívoco sustenta a bobagem supondo que “onde há fumaça, há fogo”. Aquela pessoa que fala “isso não existe” para uma aplicação de lei (do consumidor é comum), por não ter conhecimento dela. Aqueles que atribuem uma invenção ou frase a alguém que não inventou ou falou sobre, mesmo após alerta de erro. Aquelas pessoas que acreditam em conspirações do tipo um país colocando chip espião nas pessoas através de vacinas. Também os que insistem em dirigir alcoolizados ou sem habilitação, não aceitam nem respeitam ciclofaixas e dizem “o problema é que o povo daqui não sabe dirigir”. Claro, tenho que apontar para os fumantes, sem exceção, fumar é uma ignorância. Sabe aquela pessoa que fala alto achando que é sinal de autoridade ou firmeza? E a que inicia uma discussão em uma simples fila de supermercado? Aqueles que para resolver um pequeno problema particular, criam problemas para muitas pessoas ao mesmo tempo? Sim, todos no perfil ignorantão e ignorantona. Incluindo quem estaciona o carro em calçadas de pedestres justificando que é para não correr o risco de perder o retrovisor e os que usam a frase “eu que pago o teu salário”, como argumento para mostrar que tem algum direito, que normalmente não tem. E aqueles que levam o cachorro para passear e não recolhem a cáca produzida por ele? Também a pessoa que prende um gato ou gata numa coleira com corrente. Encerrando os exemplos, sem sequer chegar perto de esgotar as possibilidades, incluo a pessoa que usa a unha para lascar uma fruta pensando que assim vai saber se está madura ou não antes de comprar. Não podemos negligenciar ajuda e muito menos negar que estes exemplos merecem a classificação ignorantão e ignorantona.
Desejo que no momento que por descuido ou stress, venhamos a ter ações que nos igualem aos que a noite (treva) tomou a mente, que sejamos alertados pelo silêncio de quem estiver conosco. Que tenhamos a humildade de reconhecer a tolice e reacender a luz da sabedoria, da melhor atitude, a mais sensata.
