Até Acabar.

               Antes de começar a ler este texto, peço a tua percepção de que não desejo com algumas palavras mudar a cultura atual, alterar o comportamento social existente que é quase automatizado. Também não pretendo chatear, ser insistente com algo que sabidamente não será realizado. A verdadeira intenção, é mostrar como uma tolice pode ser apenas uma “piadinha inofensiva” ou a base de problemas graves, incluindo os que normalmente não relacionamos ela como fonte deles. Sendo direto e objetivo, sei que neste caso a reflexão é válida, mas, considerando a forma comum de pensar e agir, construída com solidez por décadas, a prática que nos levaria a mudanças relevantes, é simplesmente inaplicável. As proposições que apresentarei, deixo como registro, para que sejam iguais a uma pedrinha no sapato enquanto caminhamos em dia de chuva, segurando o guarda-chuva aberto com uma mão e sacolas com a outra.

               Usar até acabar. Seja qual for o objeto de consumo, especialmente aquele comprado quando estava no auge da moda, com necessidade despertada a partir de frases do tipo: “todo mundo quer este…” ou “não deixe para depois e compre agora antes que acabe…”. Estou falando de objetos de consumo de todos os valores possíveis, desde uma bijuteria a um carro, de uma meia a um equipamento eletroeletrônico. Ao comprar, quem pretende um dia alcançar nível elevado em antitolices, pode mudar a programação do cérebro e usar o que comprou até que não tenha mais condições de ser útil. Nos exemplos já citados, a bijuteria sendo usada até enferrujar se for de metal ou quebrar se for plástica, o carro até que não seja mais possível colocá-lo em movimento, a meia até que as fibras estejam rompidas e o equipamento eletroeletrônico até que ao acionar a energia não tenha mais resposta.

               Perceba que a intenção não é deixar de comprar. Enquanto houver uma forma de aplicar valor a um objeto e quantificar em moeda, haverá apelo ao consumo e formas de despertar o desejo de comprar. Isso não está sendo questionado aqui. Posso citar ainda que o consumo de objetos existirá enquanto houver alguém com possibilidade de acumular o valor recebido na venda de produtos, apresentando soma maior que os outros, para supostamente ostentar algum poder. Estes ciclos são autossustentáveis, alimentados por fatores que não convém abrir análise agora.

               O que é esperado com uma mudança comportamental tão simples? Primeira e imediata resposta virá do meio ambiente. Em 2023, há dados apontando 10 bilhões de pessoas convivendo em um espaço limitado chamado de Planeta Terra. Este, por características sistêmica e interdependentes, já enviou sinais de que não temos como disponibilizar 10 bilhões de bijuterias, carros, meias e eletroeletrônicos, ao mesmo tempo e renovados com o desejo estimulado para uma nova compra, justificada pelo lançamento do azul logo após a venda do amarelo. A sequência de respostas, traz uma evidência de correlação entre a forma tola de comprar atualmente e a base de um problema maior, a atratividade para furtos e roubos. Também é desejado que ao mudar o pensamento e cultura, sejamos capazes de nos permitir enxergar a mais nítida das falsas aparências, destas que induzem ao erro quem se deixa levar pela conversa de uma pessoa com carro novo, roupas caras, relógio de rico, sapatos reluzentes e boa lábia, sendo na verdade alguém que não merece respeito algum, uma fraude, uma pessoa golpista.

               Quando objetos de consumo não novos possuem valor de revenda, existe o comprador e o vendedor, este não necessariamente pagou pelo que está revendendo. A tolice relacionada a este fato, é causa não reconhecida para furtos e roubos. Sendo claro, somos tolos ao nos permitir a bobagem de buscar sempre o mais novo, mais recente, mais moderno, da cor ou modelo que a celebridade usa na propaganda, tudo da marca que nos convenceram que é a mais valiosa. Por consequência, usamos por menos tempo que a durabilidade do produto permite e geramos o mercado para objetos usados e que ainda estão em condições de uso, por consequência geramos algum valor para revenda destes objetos. Antitolice será usar até acabar, encaminhando o que sobrar da estrutura para uma recicladora de materiais, se for o caso, do contrário, simplesmente ao lixo. Sei que vai abrir um clichê na tua mente com algo semelhante a: “por que não fazer uma doação?”. Em milhares de situações isso será possível, mas, não deixa de alimentar uma das fontes do problema, lembre-se do incentivo a ter o amarelo sendo o teu azul. Sobre doações, tem que ser usado? O que te impede de doar algo novo? Se a dúvida persistir, volte alguns passos e reflita sobre mudar a relação com o que compramos e como utilizamos os objetos de consumo.

               Outras formas de explicar o porquê (a violência) de roubos e furtos de objetos, pode ter muita tolice agregada e uma carga de subjetividade confirmando que ao afunilar, chegará ao mesmo ponto. Usar até acabar, por obviedade e com aparente redundância, acaba com a revenda de usados. Parece pouco, até o momento que resolvemos exercitar o raciocínio de forma prática, com o último objeto comprado. Em quanto tempo será percebido que há um novo modelo, cor ou tecnologia, mais atrativo que o recém adquirido? Seja qual for o tal produto, seu uso será a motivação da compra e as emoções, o sentimento de realização de sonho, o alcançar algo tão desejado, será direcionado para outras coisas, como um abraço, uma viagem, liberdade, qualquer outra coisa intangível. Difícil acreditar que um dia exista esta cultura, eu sei, mesmo assim, proponho.

               Consumo estimulado por apelos emocionais, ciclos de produção acelerada pela tolice da novidade, abandono da lógica mais básica: se tem recurso limitado ao consumir o todo, se extingue. O excesso de valor ao fútil, engano induzido pela subjetividade da aparência, tantos outros comportamentos que podemos considerar distúrbios da relação social com o meio físico em que vivemos, apontam para uma auto extinção de humanos. Faço uso das palavras (não literais) de um geofísico apaixonado por astronomia e entusiasta da ciência, Professor Doutor Sergio Sacani: “o ser humano pode deixar de existir, mas, o planeta se adapta e continua”. Ao persistir o consumismo até acabar com as condições para a vida humana, erramos a interpretação de usar até gastar. Que a antitolice seja contribuição para reverter este caminho. Que sejamos melhores inquilinos do chão que proporciona ambiente para viver e perpetuar a espécie.

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