Trabalhar muito para conquistar as coisas. Colher os frutos do trabalho. Trabalhando demais. Sem trabalho. Como está o trabalho? Com o que tu trabalhas? É fácil ouvir algo assim e o foco destas frases ou perguntas não escapou de mudanças no significado ao longo do tempo; trabalho e trabalhar. Quem não tem carteira assinada é vagabundo ou o trabalho engrandece o ser humano e outros ditados populares relacionados ao assunto, estão agora falseados com argumentação forte e exemplos reais que contrariam o que era “verdade”, incluindo publicidade de pessoas que acumulam fortunas sem nunca ter trabalhado. É uma tolice negar que assim como outros valores e conceitos, o trabalho também passou a ter novas características, diferentes possibilidades e conforme a perspectiva, cede espaço para outros ditados populares como: muito trabalho para pouco retorno, quem muito trabalha não tem tempo de ganhar dinheiro.
Neste momento, quando a partir da opinião de pessoas com muitas certezas, instituições são colocadas em xeque – como se não existisse sociedade antes da Geração Z – o significado de trabalho e trabalhar, resulta no choque entre quem acredita que nada mudou, quem considera o que é oferecido como algo do tempo dos dinossauros e a maioria que não sabe qual caminho a seguir, em quem acreditar. Para comprovar este cenário, basta uma breve pesquisa em ofertas de trabalho, uma conversa com jovens que não tem trabalho formal e observar o ânimo do maior grupo.
Focando agora na realidade atual, aparece uma primeira frase que deveríamos dar melhor atenção, ela é repetida por aqueles que insistem no formato cansado, antigo: “emprego tem, mas, está difícil encontrar quem queira trabalhar”. Faz sentido? Somente depois que alguém encontrar uma resposta a pergunta que está bagunçando tudo: o que significa trabalhar? (em 2023). O trabalho que aparece no subconsciente, com o cenário industrial, a imagem clássica de pessoas uniformizadas operando máquinas ou realizando tarefas manuais, este vai ser difícil mesmo encontrar quem queira. Obviamente que não é uma regra geral, unanimidade. Há locais em que sobra pessoas com o perfil exemplificado e que aceitam qualquer condição de trabalho em troca do básico para alimentar a si e a família. Mas, nitidamente, não está nos sonhos e desejos, o ambiente fabril ou semelhante. Usando de personalidades atuais como referência, são mais atrativos os perfis ao estilo Neymar e Anita do que operários uniformizados embarcando em um transporte coletivo ou entrando no trabalho com capacete de plástico e abafador de ouvido. Sendo assim, vai ficar cada vez mais difícil mesmo encontrar quem queira trabalhar, considerando isso como entendimento de trabalho. Tolice é ficar repetindo a frase do início deste parágrafo, acreditando que estas palavras vão despertar uma consciência coletiva a favor de gerar muitos interessados em trabalhar assim.
Será uma antitolice dar atenção ao seguinte: “trabalhando em fábrica a pessoa ganhará 2 mil dinheiros por mês, mas, se for roubar, vender drogas, trabalhar para o crime, vai ganhar 20 ou 30 vezes mais, em uma única tarefa e sem precisar bater ponto todo dia, sem chefe enchendo o saco”. Não perguntarei se faz sentido, porque a resposta é cruel. A dúvida é se teremos ou não, algo a propor que faça uma pessoa ganhar 20 ou 30 vezes mais agora, trabalhando formalmente, do que em outras alternativas “não legalizadas”. Alguém se habilita com propostas? Lembre-se que somos milhões e o que for proposto não pode gerar desigualdade do tipo: ganha 20 pelo trabalho cotidiano e o dono da coisa ganha 1 bilhão via lucro. Também não vale propor algo que vai dar resultado daqui a muitos anos, considerando uma sequência tola de “se fizer isso, vai conseguir”.
Hoje não existe sequer em experimentos alguma proposição que traga atratividade ao trabalho conhecido como “normal”. Trocar 12 ou 14 horas de um dia – somando deslocamento e permanência obrigatória em local de trabalho – pela ilusão da meritocracia a ser realizada no futuro, não atrai jovens e já não mantém motivados adultos sem que estejam contrariados, dispostos inclusive a deixar a rotina atual correndo riscos elevados, para ter “outra vida” a qualquer momento. Aquela outra promessa de trabalhar “certinho” para se aposentar e aproveitar a vida, também virou piada, já não empolga mais do que ver muito próximo alguém ostentando riqueza, mesmo que sabidamente conquistada por meio de falcatruas, para ser leve e não citar a podridão envolvida.
A solução ou a proposta, a nova regra ou aposta, eu verdadeiramente não tenho. Posso apenas expor o que aprendi ao longo da vida e o que estou percebendo nas gerações que estão construindo o nosso tempo atual. Posso afirmar que trabalhar é muito bom, ser obrigado a trabalhar é muito ruim. Trabalhar contrariado por um tempo buscando alcançar objetivo próximo é disciplina, quando dá certo rapidamente motiva, do contrário, vai cansar e trazer rebeldia. Sempre vou acreditar que o crime não compensa, mesmo ao ver os donos de casas imensas, iates ou carrões em praias quase particulares e suas vidas aparentemente maravilhosas. Mas, não sei como convencer milhões de pessoas a pensar igual e fazê-las desistir dos atalhos para ganhar muito dinheiro. Aprendi que trabalho honesto, aquele do operário esperando a aposentadoria, não faz sentido para quem deseja agora riqueza igual do jogador de futebol ou artista. Também entendo que não há no mundo 10 bilhões de oportunidades semelhantes para que todos possam ganhar muito dinheiro trabalhando e ser livres de verdade. Entendo a famosa frase atribuída a Chaplin, algo como o caminho da vida é o da liberdade, porém, nos extraviamos. Mas, entendo que a liberdade torna até o trabalho mais atrativo. Concluindo, trabalhar por obrigação aprisiona mentes brilhantes e entristece pessoas que com liberdade seriam criativas e felizes, sendo uma tolice acreditar que o trabalho nos dias de hoje, possa seguir no mesmo formato do que foi antes.
Trabalho e trabalhar estão em xeque. Por uma dessas tantas ironias que a vida vai construindo a revelia do nosso controle, há quem esteja trabalhando para encontrar uma solução que permita harmonia ao que foi proposto como sentido da existência desta raça complicada, por sinal, a única pensante.
