Teatro bom é feito por profissionais. Quando a encenação é feita por outro perfil de pessoas, geralmente o resultado é ruim e há fatos sustentando esta afirmação. Com isso inicialmente apontado, também será sempre importante diferenciar arte de picaretagem. Neste breve texto, minha intenção é colocar foco no excesso de aparições teatrais realizadas por pessoas chamadas de figuras públicas, principalmente a partir da chegada em massa do smartphone e da ampliação dos canais de mídia, onde o desejo deles é atrair aqueles que adoram uma tolice.
Com ensaios, muito investimento e a certeza de que a performance teatral vai render milhões de comentários e repetições, a escola da imagem produzida com propósitos espúrios, cuida para que seja espalhada como se fosse espontânea ou verdadeira. Raro seria um teste para atores profissionais, aprovando estas figuras como habilitados a exercer o ofício e desejo que a verdadeira arte não tenha que passar por isso, tornando a frase anterior apenas uma ironia, afinal a qualidade do resultado que é exposto, nos traz o benefício de perceber que estão encenando ou tentando enganar o maior número possível de pessoas.
Um exemplo sobre o que escrevo agora, é o técnico de um time de futebol que ao lado do campo de jogo, faz toda uma encenação sabendo que tem câmeras apontadas para ele e assim produz expressões como um olhar distante, a mão no queixo para expressar reflexão, a piscada de olho para um jogador, uma corrida eufórica mesmo quase tropeçando na própria barriga e trajando terno e gravata. Pura enganação com alvo certo, os narradores, repórteres e comentaristas, que a partir da performance teatral registrada pelas lentes, vão publicar bordões, frases de efeito, superlativos ou as mais fantasiosas interpretações. Aquelas do tipo: “o técnico tal, está preparando mudanças no time, dá para ver como está agitado, está muito pensativo a beira do gramado e com cara de insatisfeito” ou “o técnico tal comemorou como se estivesse em campo, mostrando a importância do seu trabalho”.
Seria apenas uma tolice, dessas que o entretenimento produz, dedicadas aos que não escondem atração por momentos de idiotia ou que tenham muito tempo livre para desperdiçar com bobagens. Mas, não raramente, a performance teatral em excesso é percebida também nas aparições de autoridades e governantes. Aqui a antitolice precisa ser muito forte, demanda maturidade para não cair na sedução do teatro (ruim) que leva milhões a acreditar que eles estão falando, agindo ou expressando algo real. Não tenho conhecimento suficiente para afirmar, mas, peço licença para desconfiar que profissionais do teatro atuam diretamente no treinamento de figuras públicas. Faço esta observação, por estranhar como em pouco tempo (menos de um ano), uma pessoa “comum” reaparece com oratória quase impecável, com olhares e gestos em público, semelhantes a performance que exemplifiquei com o técnico de futebol.
Em alguns casos a produção ou escola não é tão eficaz quanto foi desejada pela picaretagem. Pelo menos quem não se deixa levar por tolices de grau muito elevado, perceberá a encenação do “simprão”, produzida a partir de imagens ao fazer uma refeição como se fosse totalmente tosco, deixando cair farofa pelo chão ou comida sobre o colo e até mesmo comendo ao ar livre na rua. Também não é possível aos que venceram as tolices exageradas, ouvir e acreditar em frases como: “estamos fazendo tudo pelo nosso eleitor”, ou, “o povo está percebendo o quanto trabalhamos para honrar os votos que recebemos”. Talvez ainda, a pior das encenações seja a mais praticada: “sou inocente, não tenho nada a ver com isso”. Já nas aparições teatrais em que uma pessoa vende a imagem de purificada pela fé em Deus ou fervorosa praticante de uma religião, sendo conhecida em seu meio como o avesso a personagem criada. Este caso não merece sequer classificação, talvez a melhor expressão seja aquela muitas vezes utilizada pelo escritor e jornalista Eduardo Bueno (Peninha): “são vomitativos”.
Não haverá no ordenamento legal ou moral algo que possa parar estas pessoas, nem mesmo algo que venha a convencê-los o quanto o excesso teatral está entregando a falsidade no que estão vendendo. Cabe a nós, expectadores de peças para as quais diretamente não compramos o ingresso, voltarmos nossas habilidades perceptivas para primeiro identificar e depois ignorar estes e estas picaretas. Podemos sim criar antitolice com tamanha força, que certamente vai proporcionar a sensação de “não está funcionando mais”, no sistema como um todo. Assim, haverá uma implosão, a descontinuidade de algo que nos coloca em risco. Ações simples e com a necessidade de compartilhar o esclarecimento, aos que por muitas razões, não tenham condições de perceber sozinhos que estão diante de um teatro de péssima qualidade, ajudando com este freio a não sustentar farsas perigosas, por consequência, promovendo a extinção dos picaretas.
