Debochar ou tentar diminuir a relevância da forma como a geração anterior a tua age, está no comportamento dos chamados “tiozões” e “titias” desde os netos de Adão e Eva, considerando que existiram. É uma percepção sem comprovação científica, mas, com fácil ligação ao cotidiano das gerações que estão neste momento convivendo e tentando harmonia. Uma das maiores tolices desde sempre é tentar conter o que os jovens estão praticando como forma de vida. Agrava quando a tentativa é por imposição, algo que a Geração Z, por exemplo, tem demonstrado domínio de como rejeitar. Sim, eles escolhem o cardápio da refeição familiar no restaurante, marcas das compras da família no supermercado, filme que será assistido por todos, ou seja, possuem expertise em recusar imposições, simplesmente por receber com facilidade o aval para escolher tudo.
Assim, a relação entre a Geração Z e a desindustrialização começa a tomar corpo, deixando de ser uma birra, coisa de molecada, tornando-se forma de pensar a vida. Como em qualquer época da existência humana, estas transformações são relatadas e debatidas um período após a sua consolidação. Também é simples de entender o porquê deste delay, a resposta está na primeira frase deste texto. A consequência inevitável deste desencontro entre a percepção e a existência do fenômeno, são as tolices das gerações mais antigas e a dor de cabeça que elas provocam em assuntos como trabalho, família, política, consumo, diversão, cotidiano.
Antes de seguir, preciso expor o meu entendimento para o que significa o formato industrial de viver. Começa pela busca de criar rotina, algo como acordar todos os dias no mesmo horário. A rotina facilita o ganho de tempo por ter na repetição uma padronização das necessidades e soluções. Ou seja, padrão industrial. Regras rígidas e disciplina, também são bases de um formato industrial, onde sem um planejamento prévio, o alerta de não vai dar certo é acionado e para flexibilizar o que sempre foi feito de um jeito, precisa cumprir uma série de regras, estabelecidas de cima para baixo na hierarquia. Buscar crescimento mesmo após ser gigante é outra característica, produzir um, depois mil, depois milhão, sempre com vistas a ganho de produtividade e projetando mais crescimento. Dedicação total e prioritária também são características da forma industrial, sem isso não há como gerar o resultado esperado, que por sinal é sempre desejado que seja maior que o anterior. Métrica, quase doentia, fixação por medições para formar dados e controlar em escala micro, média e máxima. Aplicar esta lógica na vida pessoal, segunda a sexta, entrar no mesmo horário na empresa, realizar tarefas de rotina, sair no mesmo horário e repetir isso em longos ciclos, é um exemplo de industrialização da vida no meu entendimento. Responder a “como é um dia normal teu?” descrevendo uma rotina engessada do tipo: acordo às 6hs, preparo a mesa para o café da manhã, depois como algo rapidinho, às 7hs saio para levar meus filhos ao colégio, depois sigo para o meu trabalho… Nada mais é do que expor o quanto a tua vida é industrializada.
A Geração Z não começou a desindustrialização da vida pessoal, mas, está nitidamente aplicando em massa. Isso significa que a forma industrial de viver passa longe dos interesses das pessoas nascidas após 1995. São tantos os sinais e tão nítidos que para citar precisaria de muitas páginas e o foco não é este. Apenas como exemplos já consolidados e facilmente comprovados, perceba a escola do básico a universidade, se ficar no quadro verde e giz branco, vira piada. A rapidez de raciocínio, o acesso também rápido a literatura clássica e contemporânea, o desprezo a TV aberta, a ótima mobilidade entre cidades, estados e países (aos que tem dinheiro para isso), também perceba que por mais que sejam inocentes em alguns casos, eles sempre emitem opiniões. Tem como industrializar esse contexto? É tolice tentar.
Quem não percebe o quanto são interessantes estas transformações, talvez precise de uma ajudinha para levantar a âncora deixada no passado industrial e assim navegar calmamente para o novo horizonte criado. Para deixar ainda mais claro o tamanho do impacto no cotidiano, perceba a silenciosa, porém nítida, dificuldade dos gestores de empresas tradicionais para atrair mão de obra (termo horrível usado aqui por obrigação didática). Leia o enunciado de uma vaga de emprego, publicada em um site especializado no assunto:
“A (…) está em busca de um(a) vendedor(a) talentoso(a) e apaixonado(a) pela música para se juntar a nossa equipe de vendas. Se você é um comunicador(a) excepcional, motivado(a) e adora trabalhar em um ambiente criativo, essa vaga é para você!”
Entre os requisitos desta vaga constava: “Habilidades excepcionais de comunicação verbal e escrita, orientação para resultados e habilidades em trabalhar com metas.”
Qual a chance de atrair uma pessoa da Geração Z com este enunciado? Apesar da tentativa de sair da linguagem formal antiga, a empresa conseguiu atrair apenas 14 candidatos em uma cidade com 700 mil habitantes. No atual contexto, uma pessoa que seja comunicador excepcional, motivado, que adora trabalhar em ambiente criativo, vai ser qualquer coisa, exceto um vendedor talentoso cumprindo metas a serviço de uma empresa que não seja dela.
Caso não tenha entendido ainda, perceba o que diz este outro anúncio no mesmo site: “se você é acessível, tem humildade intelectual, desafia o status quo, se sente confortável com a ambiguidade e possui uma boa dose de coragem, você terá sucesso aqui na (…). Então confere essa oportunidade.”
Este anúncio não procurava alguém para um grupo mercenário militar, mas, a intenção de quem publicou era contratar uma pessoa assistente administrativa, estas três últimas palavras são nada mais que literalmente o título do anúncio. Por favor, queira não rir neste momento, por mais que seja reação automática.
O tempo perdido em debates sobre qual governo ou governante foi responsável pela desindustrialização da economia, encobre a fluidez com que a Geração Z vai desindustrializando a vida. E quando o capital industrial conseguir benesses para abrir novas fábricas, a frase clichê “temos vagas que não conseguimos preencher” será novamente ecoada na mídia tradicional, especialmente na chamada TV aberta. Um show de tolices expostas sem nenhum pudor em assumir a tentativa de tampar o sol com peneira (perdoe o clichê).
Ouvindo os argumentos, analisando o comportamento e a forma de pensar da Geração Z, até eu que sou considerado por eles um velho qualquer, começo a perceber que não fez sentido algum o tempo que dediquei para cumprir o padrão industrializado de trabalho, de vida. Enquanto hoje eles pensam primeiro neles, eu pensava primeiro no meu trabalho ou no que poderia me levar a ter um emprego. Eu alimentei um sistema que gerou a disfarçada continuidade do período escravista. Eles, vão implodir o modo de vida que gerou concentração de riqueza, destruição do meio ambiente, vale tudo pelo poder e gerações com insanidade mental. Desindustrializando a vida, esses jovens irresponsáveis vão dar outros valores a existência humana. Enquanto os tolos perdem tempo com questões como a sexualidade, comportamento, religião, a boiada da Geração Z vai passando, obviamente que não falo de gado leiteiro ou de corte. E tenho esperança que por aplicar o modo antitolices, muitos velhos iguais a mim, serão adeptos da desindustrialização. Da vida.
