Muito Ranço, Pouco Avanço.

                Pensar em convivência humana totalmente livre de ranço é perder tempo. Perceber exageros e agir com equilíbrio, é uma forma de antitolice. Ranço é uma das palavras que foi sumindo do vocabulário e convém explicar que estou aplicando o sentido figurado de má vontade, reação automatizada no subconsciente de quase nojo, reprovação formada por ter memorizado desconforto, padrão de repulsa em tipo de contato com algo que foi mentalizado como ruim. Resumindo, ranço no sentido de: que horror, mas credo, éca, “isso é @#$%”.

                Perceba nas próximas “micro” decisões o quanto a repulsa automática pesou no que te fez agir. Mesmo sem ter experimentado ou conhecimento real do que é, veio na tua cabeça o ranço e a escolha ou ação foi para o caminho do que horror, mas credo, éca, “isso é @#$%”. Como exemplos, rejeição a um tipo de comida, opinião sobre um país ou região, marca de um produto (carro, roupa, eletrônicos), até mesmo ao ouvir uma voz, ver uma personagem. Com calma perceba teus atos e silenciosamente aparecerá o pior de todos os ranços, a tolice de julgar uma pessoa e anular qualquer coisa que ela faça, mesmo que seja bom ou interessante.

                Vivemos o tempo em que a informação vem carregada de opinião, com proporções erradas de pouco espaço para a primeira e exagero na segunda. Não demora muito para ouvir alguém da tua convivência ou que esteja em um ambiente próximo ao teu, falando algo como “E aquele negócio lá que caiu não sei se foi no Japão, não sei o que é, se um pedaço de ferro ou pedra. Isso é claro que tem coisa por trás que não vão falar, é lógico que tem porcaria envolvida com isso.” Zero de informação e o resto é opinião.

                Por coincidência ou não, estamos na sequência de um tempo em que existiu forte busca por informações e um dos motivos era a dificuldade em ter mais que uma fonte, o desejo era de poder formar a própria opinião, sem esse ranço “lá não sei onde não sei se foi o que é.” Agora com a facilidade no acesso, alguns até podem chamar de democratização da informação (acho horrível a expressão), o exagero está nitidamente bagunçando a convivência em harmonia. Perceba o quanto está comum o ranço nas opiniões e a influência disso no formato como as informações são apresentadas. Tenho a impressão de que ao fazer o exercício anterior, de percepção sobre as tolices nas tuas decisões, sob influência de carregar um certo ranço e mentalizar somente opiniões, ficou mais claro o que deve ser corrigido ou evitado. Uma informação veio rapidamente do subconsciente e deu rumo a tua decisão, parecendo tão certeira, mas, nem tanto ao ser revisada, repensada era uma opinião.

                Peço aqui que me perdoem os neurocientistas, psicólogos, psiquiatras e antropólogos. Não tenho a intenção de dar cientificidade ao que escrevo. Inclusive percebo muito ranço também quando ouço, leio ou assisto algum dos profissionais que citei. A intenção é apenas sinalizar que é uma tolice. Ao desejar a convivência pacífica, superar polarizações que roubam o tempo de evolução, podemos dedicar mais atenção ao que vai em sentido oposto a formação de algo rançoso. Seja na política, nas relações familiares, no trabalho, em ambientes compartilhados, seja numa simples frase, em um pequeno gesto, uma opinião ou decisão. Onde houver muito ranço, pouco avanço.

                Convido a superar a tolice que forma o ranço entre os de “esquerda” e os de “direita”, o ranço que ricos carregam em relação aos pobres, ranço com a polícia, ranço de ocidentais ao falar e opinar sobre orientais, ranço dos brancos com os pretos e vice versa. Apagando o ranço, faremos os monstros criados por ele morrerem de fome. Deixe a tolice de lado e não alimente teus pensamentos com o ranço da ignorância. É mais fácil e prazeroso evoluir.

                Ilustrando, por um momento ao escrever este texto veio o ranço de quem quer passar imagem de autoridade no assunto, quando pensei em citar que a palavra ranço vem do latim rancidus. (este parágrafo contém ironia e o autor respeita muito quem verdadeiramente conhece e estudou a etimologia das palavras).

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