Carros e Seus Ruídos

                Entender que o tempo passa e muito das percepções adquiridas com ele agora são incompatíveis, não é algo fácil para os seres pensantes. Isso em todos os graus possíveis, em quantidade e qualidade, não importa, em algum momento, em algum cenário, vai aparecer uma dificuldade de entendimento e de percepção que a simples passagem do tempo fez tudo mudar.

                Ouvi em algumas entrevistas de um humorista com deficiência visual (um dos mais engraçados de verdade), uma afirmação tola sobre carros elétricos relacionados a atropelamento de pessoas com a mesma deficiência visual que ele tem. Por um momento achei que ele estava confundindo carros elétricos com veículos autônomos, mas, ouvindo novamente a entrevista, percebi a referência aos veículos elétricos, através da frase “isso não faz nenhum barulho, é um perigo para nós!”. Tenho dúvida somente se era sarcasmo, piada ou coisa séria. Porém, despertou em mim um sinal de o quanto a afirmação do humorista é uma tolice.

                Em uma das minhas tantas longas caminhadas, passou muito próximo a calçada que eu estava, um carro já considerado antigo, um Mustang (sim, em Joinville/SC tem muitos!). Não sei ano, modelo, nenhum detalhe, isso pouco importa. O “ronco” do motor naquele momento me assustou e fez lembrar das palavras do humorista. Segui meu caminho e refletindo, realmente não faz muito tempo que os carros eram barulhentos. Pode parecer uma afirmação estranha para pessoas nascidas após o ano 2.000. Já aqueles que nasceram antes disso, lembram bem o quanto era barulhento um carro, moto, caminhão ou qualquer veículo que estivesse circulando pelas ruas. O famoso “fuka”, a “kombosa”, o “chevetão” ou “opalão”, até as antigas “cgzinhas” ou uma simples “mobilete”, todos com muito barulho! Claro, comparando com os atuais, porque a época era o alcance da engenharia ou a viabilidade aplicada, era o que tinha para o momento.

                E onde está a tolice? Falar de hoje com o cenário do passado. Façamos um breve e facílimo exercício, principalmente para quem mora ou circula por metrópoles e cidades não minúsculas. Quem puder fazer, preste atenção em qual o nível de ruído de uma SUV a gasolina ou flex dessas que circulam por todos os lados em 2023. Não importa a marca, modelo ou tamanho, apenas o nível de ruído. Fácil perceber que mesmo não tendo motor elétrico, qualquer veículo neste momento da história não faz barulho nenhum. Exceto os que precisam sair de circulação por problemas mecânicos e os que pertencem a seres “abobados” e “toscos” que ainda acham sinal de rebeldia, poder ou coisa parecida ter um veículo com escapamento esportivo e circular em ruas e avenidas ao invés de pistas adequadas a prática esportiva.

                Tem mais um detalhe importantíssimo, hoje o que ouvimos no trânsito é o ruído do deslocamento de ar e do contato do pneu com o pavimento. Aqui fica a antitolice destacada: faz barulho sim. Lógico que a pessoa com dificuldade visual que estiver em algum lugar esperando ouviro “ronco” dos motores como antigamente fazia o “fuka”, corre alto risco de atropelamento. Independente de ser elétrico ou a combustão, o ruído de veículos hoje é muito baixo.

                A minha motivação em escrever sobre isso não é para criticar, atacar ou desqualificar o humorista. Lá no início deste texto, citei a armadilha que pode ser a não percepção de que as coisas mudam com o tempo. Principalmente aos que já estão com um bom tanto de aniversários comemorados. Mas, temos uma tolice a ser evitada: opinião atual com percepção antiga ou desatualizada.

                Em tempos de todo mundo opinando sobre tudo e com influência sobre algumas pessoas, seja da própria bolha ou não, é melhor ter um certo cuidado. Este exemplo sobre a mudança de perfil dos carros e veículos em geral, nos faz obrigados a uma adaptação, onde vamos ouvir barulho de pneus ou deslocamento de ar ao invés de explosão de combustível. Tem um aspecto muito favorável, a redução da barulheira nas cidades. Outros benefícios ainda não temos como comprovar, principalmente sobre a natureza. A tendência é o meio ambiente agradecer.

                Ok. Mas, e as pessoas com deficiência visual? Não é uma certeza, nem regra, apenas a percepção de que a bandeira tem que ser outra. Incentivar que os fabricantes de veículos elétricos, utilizem a inteligência e engenharia para viabilizar a autonomia e segurança dos pedestres. Autonomia aos que possuem alguma limitação e segurança verdadeira a todos. Uma bandeira levantada por pessoas com alguma limitação ou deficiência, tem maior peso e chances de ser relevante se incluir todas as pessoas. Parece injusto num primeiro momento, parece covardia também. Na verdade, é uma forma de aplicar a antitolice.

                Resgatando também algo do início deste texto, se o assunto migrar para veículos autônomos, tenho que escrever com inspiração no que falava o humorista, porém com a experiência de quem anda muito a pé: não estou seguro quanto a não ser atropelado. Quero incentivar inovações e a evolução das coisas, mas, neste momento não há segurança suficiente para garantir que não haverá atropelamentos causados por falha nestes veículos.

Observação: o humorista a quem me refiro neste texto é o excelente contador de histórias e piadas Geraldo Magela.  Uma das entrevistas dele ao podcast Ticaracati Cast, contém a referência ao assunto abordado neste texto.

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